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Entrevista Especial - As Unidades de Informação Prisionais: um processo de formação da cidadania e da inclusão social. Por Sidnei Rodrigues de Andrade.



É com muita alegria que temos a honra de trazer esta matéria realizada pelo monitor voluntário Sidnei Rodrigues de Andrade, grande colaborador da MC, com a admirável bibliotecária Catia Lindemann, referência na temática das bibliotecas prisionais e Biblioteconomia Social, que serão tratadas nesta reportagem. Confirmam!

OBS: Após publicada a matéria, identificou-se uma publicação anterior, datada de 2013 aqui no blog da MC, com uma entrevista pioneira da Catia Lindemann sobre bibliotecas prisionais. Acessem o seguinte link.


Saudações, Profissionais da Informação!

A perspectiva social e econômica traz várias incertezas neste contexto contemporâneo, por isso fiz uma auto-reflexão, onde podemos melhorar as condições dos seres humanos em nosso Planeta? 

Para responder a essa reflexão provocativa, resolvi fazer esta entrevista sobre as Unidades de Informação Prisionais, exclusivo para o Blog da Monitoria Cientifica FaBCI– FESPSP, para saber realmente, qual é o poder de emancipação da Educação e do Conhecimento na vida dos seres humanos? Observem atentamente a esta entrevista muito reflexiva para todos nós.


Fonte: Revista Biblioo. 


Convidei para a realização desta entrevista, a ilustríssima Bibliotecária Catia Lindemann, mas antes de iniciarmos, vamos a uma breve apresentação de seu currículo: 

Presidente da Comissão Brasileira de Bibliotecas Prisionais – CBBP
Diretora Regional Sul da FEBAB

Bibliotecária formada pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG.  Ativista de Biblioteconomia Social com atuação em Bibliotecas Prisionais e Mediação Da Leitura para Populações Socialmente Vulneráveis. Responsável pela implantação de Biblioteca na maior Penitenciária do Interior do Estado do Rio Grande do Sul, contribuindo para que apenados se transformassem em autores de obras literárias.



Fonte: Biblioteconomia Social.


A seguir, vamos à entrevista reflexiva-analítica sobre as Bibliotecas Prisionais, acompanhem: 

1- Por que você escolheu este tema socioeconômico, para ser apresentado e debatido na Biblioteconomia e Ciência da Informação?

Eu não escolhi, as coisas simplesmente aconteceram. Costumo dizer que foi a cadeia que me levou para a Biblioteconomia e não o contrário. Meu mundo sempre foi o das artes, como artista plástica eu fui chamada para montar um cenário de teatro na prisão. 

Chamou-me atenção o fato dos apenados estarem decorando um texto que sequer sabiam do que se tratava. Foi quando indaguei se eles liam na biblioteca da prisão, um deles respondeu-me exatamente assim: Ler? Não temos nem livros aqui, quanto mais biblioteca”.



Fonte: G1.


De posse desta informação, fui buscar tudo sobre biblioteca prisional e então me deparei com o termo “Biblioteconomia” – a área das bibliotecas. Foi ali, naquela busca de informações que eu decidi voltar à universidade e estudar o tal curso que respaldava as unidades de informações, almejando deste modo ter propriedade e viabilidade para implantar uma biblioteca na penitenciária de minha cidade, a maior do interior do Rio Grande do Sul.

 2- Quais os itens informacionais que os detentos-leitores gostam de ter acesso e aprender?

No começo eu precisei familiarizar eles com as obras, entendi que não bastava disponibilizar os livros, mas acima de tudo apresentar as obras do conhecimento para eles, fazendo mediação da leitura dentro da biblioteca e também direto nas grades, para os apenados que não podem frequentar a biblioteca. 



Fonte: Blog Bibliotecas Prisionais.


Saliento que apenas os presos trabalhadores – presos de confiança da guarda – têm acesso livre à biblioteca. Hoje eles devoram os livros, cada pavilhão tem seu gosto literário que vai de poesia, romances e principalmente as obras do espiritismo (Kardec).

3- Como é a percepção social dos leitores detentos-cidadãos, quando tem acesso ao Conhecimento?

Gosto de enfatizar que biblioteca no cárcere não é fábrica de milagres, mas opera sim verdadeiras transformações, seja na rotina intramuros ou mesmo nas próprias vidas dos apenados.


Fonte: Biblioteconomia Social. 


Hoje tenho presos que antes jamais haviam lido um só livro na vida e que agora são autores, com obras lançadas e disponibilizadas nas estantes da biblioteca. Depois que descobriram a magia de ler e o quanto isso serve de ferramenta para ocupar o tempo ocioso dentro do cárcere, passaram também a escrever sobre o que liam, me dando como retorno inúmeras produções literárias, as quais juntei e assim nasceu o livro “Vozes de Um Tempo”.

4- A sociedade civil brasileira tem consciência sobre a existência da legislação sobre as bibliotecas em presídios?

Infelizmente não. Só para se ter uma ideia da “desinformação”, em janeiro último, quando houve os massacres no norte do país, o governo anunciou a medida de “doar” 40 bibliotecas prisionais, em parceria de Ministério da Justiça com o Ministério da Educação.
Assim que a “iniciativa” foi anunciada, a presidente do Conselho Nacional de Justiça e Ministra do nosso Supremo, Carmen Lúcia, deu entrevista dizendo, entre outras coisas, que: “Averiguarei qual instituição penal merece receber uma das bibliotecas”. 

Só aí já temos uma série de equívocos, seja do governo ou de quem representa a figura máxima da justiça em nosso país. Pera aí, primeiro que não é doação e sim aplicação da lei – Lei de Execuções Penais – LEP nº 7.210 de 11 de julho de 1984 - que roga que todos e qualquer estabelecimento penal deve ser dotado de biblioteca e além disso, o mais gritante, é que a lei não foi feita para “merecimento” e sim para ser aplicada, como direito e não assistencialismo.


Fonte: CNJ. 


Se o próprio governo negligencia a lei das bibliotecas prisionais e comprova não ter ciência alguma sobre esta legalidade, o que dirá o senso comum. Lamentável, mas fato. Eis a minha luta enquanto bibliotecária também, além de levar os livros e a leitura para os intramuros prisionais, busca esclarecer tudo sobre o assunto fora das fronteiras do cárcere, para que tenhamos informações condizentes com a verdade sobre tudo que tange às Bibliotecas Prisionais. 


5- Segundo Benjamin Disarelli diz: “A Vida é muita curta, para ser pequena”, o acesso ao Conhecimento e a Educação transforma os seres humanos? 
Sempre, eu vivo apregoando que não existe outra forma de combater a criminalidade senão por meio da Educação e os livros são pontes essenciais neste caminho.
  

Fonte: G1.

Não é construindo muros prisionais que vamos aniquilar o crime e sim investindo na Educação. Nossa própria constituição roga que todo o cidadão brasileiro deve ter acesso à informação, o indivíduo pode estar privado da liberdade, mas continua sendo um brasileiro. 

As pessoas precisam compreender que punir apenas não adianta, porque é só isso que a prisão faz. Mas como não temos prisão perpétua no Brasil, uma hora os caras saem e ai entra a pergunta que todos nós deveríamos fazer: “Como nós, sociedade contemporânea, desejamos que este indivíduos retornem ao convívio social na liberdade?”.


6- Como você observa o cenário político brasileiro contemporâneo?

Um caos, infelizmente. Um país desgovernado, que não respeita a própria democracia, enlameado na corrupção, em que até verbas de programas estudantis foram cortadas em função da “crise”.


Fonte: CNews.
 
Tira-se da Educação enquanto políticos são pegos com malas cheias de dinheiro público desviados, corruptos e corruptíveis rindo da cara dos brasileiros porque sabem que apenas vai mofar na cadeia o pobre, o negro, o favelado, os “Rafaeis Bragas” da vida.
Afinal, portar garrafa de pinho sol é crime maior que roubar da saúde, da educação, do povo. E o que esperar então para com relação ao cárcere? 


7- Como você analisa o papel do estado dentro da educação prisional no século XXI?

Um governo que não conhece suas próprias leis, que não aplica outras e até burla várias... Por exemplo, a deplorável ausência de Bibliotecários no sistema penal, comprovando como de fato é o sistema penitenciário. 

Vejam bem, o cidadão comete um delito, é julgado, sentenciado e levado para a prisão. Por quê? Exatamente porque transgrediu as regras, burlou a Lei. Mas o sistema faz o mesmo com as bibliotecas.


Fonte: SEAP-AM.


Ora, há uma lei que torna obrigatória a presença de bibliotecas na cadeia e dentro da lei, elas são caracterizadas no mesmo patamar das escolares, ou seja, o que corrobora também com a presença de bibliotecário à frente delas. Isso existe? Não! E sabe o que eu já ouvi do sistema? “Livro é luxo para preso”. Pera ai, não interessa o que A ou B acham, o que o Estado pensa e sim fazer valer uma Lei. Cabe aos apenados divergir de uma certa Lei e ficar em liberdade, impunemente sem precisar fugir ou se esconder? Por que o Estado pode? 


8- Qual é sua perspectiva social e educacional das Unidades de Informação Prisionais neste contexto contemporâneo?

Embora com todas as dificuldades e principalmente o preconceito que envolve tudo que se relaciona ao termo “prisão”, não dá para ser pessimista. Se a gente olhar para trás, muita coisa mudou, está mudando no que tange a educação no cárcere. 

As Bibliotecas Prisionais, que são a minha grande militância, hoje têm voz que as representa, um pioneirismo da FEBAB que criou a primeira Comissão Brasileira de Bibliotecas Prisionais”, que nasceu amparada pelas palavras-chave juramentadas pela nossa profissão, exatamente no que tange: Humanidade, Liberdade e Dignidade da Pessoa Humana.


Fonte: Banco de Imagens do Google. 


É esse o papel do bibliotecário hodiernamente, ou seja, facilitar o acesso, mediar informação para os cidadãos, como ferramenta para exercer sua cidadania, e quando o bibliotecário consegue utilizar o seu fazer profissional de maneira pragmática e humanista, temos então a representatividade da Biblioteconomia Social, somando e fazendo a diferença nas comunidades com diferenças tão distintas dentro da sociedade, a exemplo das prisões, em que as bibliotecas prisionais não são beneméritas, mas legalidade.  


Fonte: Jornal Regional.


Interessou-se por esta temática? Seguem as algumas dicas de itens informacionais:

Blog da Biblioteconomia Social:

Comissão Brasileira de Bibliotecas Prisionais no Facebook:

Video da FEBAB no You Tube sobre Bibliotecas Prisionais:


Quero agradecer a espetacular  atenção da Bibliotecária Catia Lindemann, fiquei muito feliz e honrado em realizar esta entrevista sobre Bibliotecas Prisionais.

Lendo atentamente as respostas, percebei que é possível sim, os seres humanos por meio do acesso ao Conhecimento e da Educação, serem pessoas melhores. Com estes simples atos, podemos juntos transformar quaisquer pessoas e uma nação, de forma participativa e colaborativa orgânica neste contexto contemporâneo, cada vez melhor para TODOS.


Agradeço a todos vocês que estão lendo esta reportagem, abraços e muito obrigado.

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