Música e Livros é uma coluna escrita por Bruno Carvalho, ex-aluno
de Biblioteconomia da FESPSP, que fala a respeito de bandas e o que elas leem,
mostrando que música e livros podem ter tudo a ver!
━ Entrevista com Guiherme
Isnard vocalista da
banda ZERØ.
1)
Guilherme quando decidiu ser músico, ter uma banda de rock?
Sempre estive envolvido
com música em geral e com o rock por afinidade. Queria tocar bateria quando
criança, mas meu esperto pai me deu uma flauta doce. Toquei clarim na banda e
cantei no coro infantil do Colégio Nova Friburgo – FGV/RJ dos 10 aos 11 anos,
quando gravei meu 1° disco com o coral em 1968. Depois toquei tuba na banda do
Colégio Peixoto na Gávea/RJ, mas foi só quando fui estudar no Colégio Rio de
Janeiro, que toquei na minha 1ª banda de rock, o Grêmio Recreativo Nádegas
Devagar, com meus colegas de classe João Luiz Wonderbag Filho e Paulo Zing.
Diferentemente do Lobão
que dali seguiu direto para a carreira musical, eu enveredei pelo design de
moda e trabalhei exclusivamente com isso até 1982, quando entrei para o
Voluntários.
2)
Tocou em outras bandas antes de ser cantor da banda ZERØ?
Aliás,
cantou em outras bandas?
Sim, toquei flauta no
Grêmio Recreativo Nádegas Devagar e fui cantor, percussionista e saxofonista do
Voluntários antes de juntar ao bando que formaria o ZERØ.
3)
Como foi participar ativamente da cena de rock em São Paulo nos anos 80? Como
era o convívio com as outras bandas?
A cena paulistana nos
anos 80 tem uma dimensão hoje que não tinha enquanto acontecia. As bandas tocavam
umas para as outras, as mesmas pessoas se revezavam no palco e na plateia. Foi
só quando nos franquearam o acesso às rádios e TVs que a coisa ganhou
proporção. Em geral as bandas mantinham um bom relacionamento e se respeitavam,
mas existiam guetos socioculturais com seus antagonismos e idiossincrasias.
Além disso, o sucesso de alguns mexeu um pouco com a cabeça de outros.
4)
Guilherme, poderia, por favor, falar um pouco sobre a origem do Zero e as
principais influências? De onde veio o nome?
O nome veio de uma lista.
ZERØ, por minha sugestão, destacou-se por ter a mesma grafia em diferentes
idiomas. Além disso, por remeter ao niilismo filosófico (o que talvez nos tenha
tornado populares entre os “Darks” e “Góticos”, apesar de termos nos tornado uma
banda de inspiração pós-romântica) e ao Zero – movimento de vanguarda artística
alemã que proclamou em 1957 (ano em que nasci) o reinício da arte no
pós-guerra.
Criei a marca com o
código de barras e o zero cortado, que por ser o símbolo do zero absoluto e
ponto neutro de qualquer escala, deveria frustrar brincadeiras que situavam o
ZERØ à esquerda ou à direita. Nelson Coelho, um dos guitarristas da formação
original, finalizou graficamente o conceito.
A banda não foi formada
com o objetivo de seguir essa ou aquela influência e talvez, por isso mesmo a
1ª formação tenha se extinguido. A formação original contrapunha fãs de rock
progressivo e art-rock, MPB, American Funk & Soul e Pop-rock o que explica
um pouco o som das bandas em que foram tocar depois: Violeta de Outono, Luni,
Nau e Dialeto.
5)
Como era a cena rockeira na década de 8o comparada aos dias de hoje e o espaço
na mídia?
São Paulo nos anos ‘80s
era a capital cultural do que então se chamava de 3° mundo. As coisas
aconteciam com um pequeno retardo sincrônico é verdade. Mas preciso dizer que
meu espanto com a caravana Punk que se dirigia ao SESC Pompéia para assistir ao
festival “O Começo do Fim do Mundo” organizado pelo Antônio Bivar em 1982, foi
exatamente o mesmo quando presenciei a turba de coturno rumo ao show antológico
do The Clash no “Espace Ballard” nos arredores de Paris em 1984, dois anos
depois.
Atualmente o rock e a
música de conteúdo de uma forma mais abrangente, competem pela atenção da
juventude com outras formas de atividades mais sedutoras: internet, videogames,
frequência na apresentação local de artistas estrangeiros, etc. A situação é
triste, em que pese a existência de ótimas bandas novas no cenário. A
dificuldade reside em criar uma massa crítica que dê suporte aos shows e festivais
com artistas autorais nacionais.
O espaço na mídia era
inexistente, mas foi conquistado ao longo do tempo. Água dura em pedra mole...
6)
Como foi a sobre a gravação de "Agora Eu Sei", que teve a
participação de Paulo Ricardo, que estava no auge com o RPM?
O RPM praticamente não
existia quando o Paulo fez backing vocal em “Agora Eu Sei” e certamente não
estava no auge. Se estivesse ele não nos teria dado essa “colher-de-chá”. Ele
foi ao ensaio com o Freddy Haiat, adorou a música e me pediu pra chamá-lo se a
gravássemos.
O que aconteceu em
seguida foi que o RPM estava em negociação com duas gravadoras, assinou com a
CBS e nos recomendou ao Jorge Davidson na EMI. Nada mais justo que o
convidássemos. Entre a gravação (Janeiro/Fevereiro) e o lançamento (Dezembro)
do nosso disco de estreia, a banda dele virou um fenômeno épico.
Tanto é que nossa música
de trabalho era, como se convencionava na época, a 1ª faixa do lado A: “Cada
Fio Um Sonho”, mas quando os programadores descobriram a participação do Paulo
Ricardo na segunda faixa, passaram por cima do planejamento de marketing da
gravadora e saíram tocando ela.
7)
Tem alguma letra de música do ZERØ que foi inspirada em livro?
Tudo o que escrevo tem
origem no que vivo e no que li, mas não há uma composição especificamente
baseada em um determinado livro.
8)
Quais livros você costumava ler?
Eu sempre fui uma traça
de biblioteca. Elas me acolheram durante a adolescência difícil e me pouparam
de algumas brigas nos recreios. Meus amigos íntimos me chamam carinhosamente de
Visconde de Sabugosa – o sabugo de milho que dormitou esquecido entre os tomos
de uma enciclopédia – por que lia por prateleiras e não por gênero.
Antes dos 15 anos já
tinha lido de quase tudo. De Monteiro Lobato ao Marquês de Sade, passando por Hermann
Hesse, Viriato Correia, Osman Lins, Machado de Assis, José de Alencar, Luis
Fernando Verissimo, Aldous Huxley, Scott Fitzgerald, J.D. Salinger, Truman
Capote, Henry Miller, Carlos Castañeda.
9)
Qual livro está lendo atualmente?
Sou geminiano, não leio um
livro de cada vez: “Bowie – A Biografia” por Marc Spitz (não o nadador
recordista olímpico), “VIDA” por Keith Richards e James Fox e “1001 Invenções
Que Mudaram O Mundo” por Jack Challoner.
10)
Pode falar um pouco da letra de Formosa, tem a ver com a Ilha de Formosa?
Não exatamente. Durante a
fase de composição a chamávamos de “chinesinha” por conta do riff de guitarra
que remetia às filigranas das composições asiáticas. Mais tarde, quando ganhou
uma letra A La “Menina Veneno”, achei simpático que o título da canção
mantivesse o “espírito chinês” e já que Formosa denominava tanto a capital da
China Nacionalista (assim batizada pelos navegadores portugueses do século
XVI), quanto a mulher de feições e corpo atraentes e assim ficou decidido o
nome da canção.
11)
A banda ainda faz shows? Como está a agenda?
Sim, ainda fazemos shows.
Eu continuo na estrada ora como ZERØ, ora como Guilherme Isnard e
eventualmente, como em Dezembro de 2013 no Cine Joia/SP no nosso aniversário de
30 anos, a formação clássica se reúne para algumas apresentações. Nossa agenda anda
fraca, como seria de se esperar nesses tempos de letras chulas, duplos sentidos
e onomatopeias toscas. Aguardamos esperançosos novos bons ventos para o rock de
conteúdo, mas esperamos conseguir fazer uma bela turnê do aniversário de 30
anos do "Passos No Escuro" em 2015.
12)
Fique a vontade para deixar uma mensagem aos leitores do blog, indicar livros.
Aos seus leitores que
pretendem lançar-se na aventura da música ou da literatura, eu digo que tenho
por lema a frase do “poetinha” Vinicius: “A arte não ama os covardes.”
Há que perseverar,
consciente de que as dificuldades, obstáculos e portas fechadas são muitas e as
verdadeiramente boas oportunidades são frestas ínfimas de luz nessa escuridão.
Com isso em mente e um firme compromisso com a sua verdade, tudo é possível.
Indicar leituras é uma
coisa complicada, mas se eu pudesse voltar no tempo, teria lido mais poesia do
que prosa. A prosa te aprisiona como uma novela, o que de fato é. A poesia te
liberta ao projetar seus pensamentos e percepções em labirintos nunca antes
navegados. Independentemente disso, biografias são um grande referencial de
experiências de vida e a ficção me seduziu quando li meu primeiro Jules Verne
aos 9, 10 anos.
13)
Ah é verdade que você desenhava as roupas da banda, fazia as roupas?
É verdade que sempre cuidei
do figurino das nossas apresentações. Afinal, de certa forma, foi o desenho de
moda que me trouxe de volta para a música. De tanto frequentar shows de rock na
Europa e nos EUA para conferir o vestuário da juventude antenada, foi que
concluí que enquanto por lá a estética da banda tinha quase tanta importância
quanto o som, ou pelo menos o traduzia em atitude, isso não se cogitava por
aqui.
Quando percebi que a
minha realização artística através do design era uma fantasia inverossímil,
desabafei a frustração com a amiga e editora Mônica Figueiredo ao sair do Rose
Bom Bom numa madrugada nos jardins em 1982. Na mesma madrugada, algumas horas
depois, encontramos com Antônio Bivar que me indicou para uma audição no
Voluntários. O resto é história conhecida.
![]() |
Da esquerda para a
direita: o guitarrista Eduardo Amarante, o baterista Athos Costa, o cantor
Guilherme Isnard, o baixista Ricky Villas-Boas e o tecladista Freddy Haiat
- Foto tirada em 1985.
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