A coluna Era Uma Vez está de volta com um novo conto do Gabriel Justino!
Venha conferir!
A andante
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Fonte: Blog Voar é Preciso |
Lembro
de quando era pequeno e andava de mãos dadas com meu pai, sempre que saíamos
para comprar pão ou para ir para um outro lugar, eu observava, enquanto uma
mulher ao longe se aproximava. É estranho, sempre achei esquisito o modo como
ela surgia. Caminhava trôpega a passos lentos sem uma direção certa, na maioria
das vezes que eu a via, estava descalça com um cigarro à boca, a roupa semi esfarrapada,
com um copo de plástico com café a mão e a outra quando não estava com o
cigarro ora estava na barriga e ora estendida para frente do corpo, como alguém
que pede esmolas.
A
primeira palavra que me surgia na mente era doida, mas eu não sabia nada
daquela mulher. Como poderia julga-la assim de imediato. Talvez tenha sofrido
muito para chegar aquele estado de decadência. Não sei. Acho que ela se tornou
parte da paisagem, pois as pessoas que a viam, já não se chocavam com essa
realidade.
Todos
temos histórias, qual era a daquela mulher? De onde vinha e para qual lugar ia?
Seus passos pareciam que não a conduziriam para lugar algum, só caminhava sem
direção, as vezes beirando a movimentada avenida principal, outras na própria
via. Sempre com roupas diferentes. Será que alguém tinha doado? Será que ela
ganhava sempre aquele café? Tantas perguntas, nenhuma resposta...
A
mente humana é realmente fascinante. Em algum lugar na parte de nosso cérebro,
criamos, imaginamos e supomos coisas que muitas vezes não são a verdade a
respeito de alguém. Talvez uma criança não alimente certos preconceitos, vai
adquirindo conforme cresce; as crianças acabam imaginando, pois isso é propício
para a idade, afinal quem nunca imaginou que o vizinho era um vampiro ou
alienígena que poderia levá-lo embora? Essas coisas acontecem, mas quando
crescemos, já estamos tão envenenados com toda sorte de conceitos pré-definidos
que a sociedade nos moldou, como por exemplo, quando olhamos para uma pessoa e
já determinamos se ela é chata, legal, metida, se gosta de determinadas pessoas
e todo um padrão que nosso olhar inquire ao apenas vislumbrar algo que às vezes
parece não se encaixar. Não devemos tentar nos encaixar em lugar algum só para
agradar aos outros, temos sempre que continuar sendo quem somos, por isso me
importo com ela, porque é quem eu sou, preciso me importar, pois se acaso eu
deixar isso de lado, deixarei a minha parte humana num lugar que talvez não
consiga mais resgatá-la.
Aquela
mulher me exercia esse tipo de fascínio, pois não sabia nada a respeito dela,
tão misteriosa. O que aconteceu com ela? E aquele café sempre em sua mão? Por
que caminhar ao longo da avenida? Por que eu me fazia essas perguntas? Por quê?
Não tinha e não tenho respostas. Creio que sempre tive um olhar humanizado
comigo, olhar para as pessoas não como objetos ou parte da paisagem, mas olhar
para elas como simplesmente são: pessoas que merecem ser cuidadas, que talvez
foram feridas, magoadas e que só precisam de um ombro e um ouvido amigo para
resgatá-las de si mesmas.
Já
ouvi muitas histórias a respeito dela: que viu um assalto e dispararam no
marido e ficou louca pois ele morreu na frente dela, que ela teve um filho e
teve depressão pós-parto, que foi estuprada e não conseguiu voltar a si depois
do ocorrido. São tantas histórias que se confundem, se entrelaçam e talvez não
tratem o que realmente importa que é aquela mulher e a ajuda que ela precisa.
Nomes
não nomeados, caminhos nunca andados, lugares que foram modificados, pessoas
que nunca conheceremos, passos machucados e vozes caladas para gritar que podemos
ajudar. Passa tudo pela rua: carros, animais, pessoas, a vida passa por ela. Conheci
muitas pessoas, me conheci conforme fui crescendo e parecia que algumas nunca
mudariam e eu só sabia que aquela mulher continuaria sendo a andante.
A opinião dos colunistas e dos relatos publicados não representam necessariamente a posição da FaBCI da FESPSP, ou de sua Monitoria Científica. A responsabilidade total é do(a) autor(a)do texto.
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