Música e Livros é uma coluna escrita
por Bruno Carvalho, ex-aluno de Biblioteconomia da FESPSP, que fala a respeito
de bandas e o que elas leem, mostrando que musica e livros podem ter tudo a
ver!
━ Entrevista com Carlos Finho Telhada, músico,
escritor e artista plástico. Foi vocalista da frente da banda 365, MMDC,
atualmente segue carreira solo. Em 2011 lançou o livro Poemas de combate.
1) Carlos Finho, quando você decidiu ser músico? Tocou em outras
bandas antes do 365, MMDC?
Meu pai e meus
irmãos são músicos na igreja, somos evangélicos. Isso criou uma contradição em
mim; sempre soube que seria músico, mas não consigo ver isso como profissão.
Toco em grupos desde os 12 anos (início de 1976). Toquei em outras bandas como
OSS, Steps, Libra... Minhas primeiras aparições tocando músicas próprias (1978)
foram em festivais escolares com banda de apoio fixa, onde só mudava o
intérprete. Os festivais escolares mantinham o modelo dos festivais da canção
dos anos 60, mas sem a mesma produção é claro, pois sempre estudei em escola
pública.
2) Qual a influência literária nas letras dessas
bandas?
Era muito
difícil convencer o resto da banda de que uma letra tinha algum significado,
pois os músicos, assim como o povo brasileiro em geral, não têm cultura
literária. Em “Pamela”, por exemplo, faço uma citação da primeira das Elegia de
Duíno, de Rilke (quem me ouviria se eu gritasse...). Digo isso sempre que toco
a música, mas ninguém nunca perguntou quem é Rilke. Quando fiz São Paulo, eu
pensei em fazer como alguns dadaístas que colocavam palavras ou frases num saco
e depois iam tirando aleatoriamente e anotando, mas alguns reagiram achando que
era desleixo ou falta de respeito com a letra. A música, talvez por ter
características muito particulares, permite que um intérprete ou mesmo um
compositor, acredite ser possível trabalhar só com emoção, não levando em conta
aspectos importantes como cultivo da leitura. É uma pena!
3) Tem alguma música sua que fala de algum livro? Ou
alguma música que tem trecho de livros?
É impossível ser
apaixonado por literatura e não citar ou fazer alusões nas letras. De
Baudelaire à Paulo de Tarso, minhas letras estão crivadas de carga literária.
Em “Fúria”, por exemplo, na passagem “minha fúria é o meu espinho”, há uma óbvia
alusão à passagem Paulina (2ª. Carta aos Coríntios, 12, 07). Em “Futuro” eu
misturo visões de “20.000 Léguas Submarinas” - Julio Verne - visões
apocalípticas e livros de mística sobre o Graal.
4) Como era o convívio com as outras
bandas punks de São Paulo na década de 80? Ainda tem contato com pessoal da
época?
Sou amigo dos
integrantes de todas as bandas antigas. Cólera, Inocentes, Garotos Podres, Fogo
Cruzado, DZK, Ratos De Porão, Restos De Nada, Lixomania e muitas outras que
ainda estão na ativa, punks ou não, tão ou mais antigas quanto. Claro que tem
gente que você tem mais afinidade, mas estamos todos em contato e nos
respeitamos. Sou nascido e criado na Freguesia do Ó, berço das primeiras e mais
aguerridas bandas. Isso facilita nosso contato.
5) Como vê a cena punk de São Paulo
atualmente?
Sinceramente,
não me preocupo com isso. Acho que se é algo com raiz anárquica, não pode ser
“organizada”. Algumas pessoas têm dificuldade de entender que não se pode criar
sem espontaneidade. Ficam armando eventos onde o que mais sobressai é a vontade
de se mostrar pra mídia. Existe algo que é a mistura explosiva de imprevisto +
espontaneidade + juventude cujo nome é DIVERSÃO! Sem isso, a única coisa que
resta, é fazer pose pra câmera, seja num quebra-quebra, seja numa convenção
sobre tatuagem. Dispenso “posers” e “fakes” em geral.
6) Quando decidiu seguir carreira
solo?
Como disse
acima, comecei me apresentando em festivais que tinham suas próprias bandas de
apoio, portanto eu já tocava só. É preciso que eu diga que todos aqueles que
eram músicos quando o “Movimento” chegou ao Brasil já tinham seu próprio som e
não conheciam ou pelo menos não se encaixavam como punks. Muita gente aderiu ao
punk ou simplesmente agiu de maneira oportunista. Não condeno! O que vale é a
qualidade do trabalho feito. O 365 é parte da minha carreira, embora eu tenha
moldado a banda de acordo com meu gosto, tendo em vista o fato de eu compor e
dar entrevistas em nome da banda por quase 30 anos.
7) Como
surgiu a ideia de escrever o livro Poemas de Combate e a editora Naturales11a?
“Poemas de
Combate” é uma coletânea que eu decidi montar no final dos anos 90. Num
primeiro momento, eu queria colocar algumas letras e explicar a razão delas
serem como são a temática, etc. As pessoas me perguntavam como e por que eu
fazia letras de um jeito e não de outro. Depois, quando montei a primeira
edição em 2011, percebi que deveria fazer uma coletânea de poemas meus e
acrescentar algumas letras na última parte do livro. Coloquei trinta e poucas
letras de músicas que compus entre 1977 e 2011, sem explicar nada, pois achei
que cada um deveria achar sua própria explicação pras letras.
8) Pretende
lançar mais algum livro futuramente?
Em setembro próximo, farei uma exposição de quadros
que pintei nos últimos 10 anos numa livraria localizada num shopping de São
Paulo. Estarei lançando meu disco “PARAMITA” no mesmo evento. Trata-se de uma
comemoração aos meus 51 anos de vida e 38 de carreira. Estou me esforçando pra
poder coroar tudo isso com mais um livro, esse, de caráter autobiográfico, mas
sem abrir mão da ficção, que é o que dá sentido ao que nos cerca.
9) A música São Paulo (banda 365) é
uma referência a Cidade de São Paulo, como surgiu a inspiração para a música?
Eu pretendia
fazer todo o primeiro disco do 365 falando da cidade e do estado de São Paulo;
é algo que me fascina desde criança. Falei com a banda, mostrei exemplos de
artistas que haviam feito isso (trabalhos conceituais), mas não fui
compreendido. Um dia, fomos à uma apresentação de banda num cine-clube e uma
banda de fora, com um super equipamento, fez uma porcaria de apresentação.
Depois, subiu uma banda paulista e quebrou tudo! Eu virei pros caras e falei “é
disso que eu quero falar!”.O guitarrista ficou de pensar. Tempos depois ele
apareceu com um arranjo de 3 ou 4 notas onde eu pus a melodia e a letra!
10) Uma das grandes características
suas, e expressas em suas letras é a paixão pelo estado de São Paulo, de onde
surgiu essa temática em suas letras?
A fixação que
tenho por São Paulo, vem da observação do povo nas ruas, da mistura, do
sofrimento e da superação. Desde o “descobrimento”, fomos deixados à própria
sorte e isso pode ser comprovado na distribuição das capitanias hereditárias e
nos posteriores acertos políticos feitos entre a metrópole e as regiões da
colônia que estavam mais próximas da Europa. Mesmo hoje em dia, ainda é
possível perceber o efeito nocivo dessa mentalidade na estrutura política do
nordeste, por exemplo. Para mim, a civilização brasileira é um vislumbre
paulista de um mundo ideal!
11) O que está lendo atualmente?
Sempre leio mais de um livro ao mesmo tempo, pois
acredito que, em diferentes horas do dia, temos diferentes impulsos ou
interesses. Estou lendo uma biografia de Husserl, relendo Sonetos a Orfeu
(Rilke) e uma biografia de João Nogueira (grande músico carioca).
12) Qual
foi a sensação de interpretar poemas do seu livro Poemas de
Combate na Biblioteca Alceu Amoroso Lima?
Foi em 28 de
julho de 2012. Infelizmente, fiquei a minha própria sorte. A única funcionária
que se dispôs a ajudar chegou atrasada e parecia completamente perdida. Pra
ajudar, um “fiscal” da Ordem dos Músicos apareceu pra saber se eu tinha
carteira da ordem. Felizmente, só fiquei sabendo disso, depois, pelo segurança.
Ou seja, tudo normal! O desrespeito de sempre, principalmente quando se trata
de um artista paulistano.
13) Como está a carreira solo? O lançamento do
novo disco Paramita, agenda de shows?
O disco está
criando vida própria, exatamente como deve ser! Como haverá o lançamento de um
novo livro, mais o início da exposição dos meus trabalhos na área de artes
plásticas, eu gosto de pensar que o disco fará um contra-ponto com essas outras
formas de expressão. Farei o circuito dos Sesc da cidade e do interior, mas as
datas só se confirmam quando o disco sai do forno.
14) Carlos
Finho, fique à vontade para indicar alguns livros aos leitores do blog, deixar
uma mensagem.
Mario
de Andrade é o maior intelectual brasileiro de todos os tempos. Macunaíma, O
turista aprendiz... tudo que esse homem fez está borbulhando de genialidade e
erudição! Ninguém tem a mínima capacidade de articulação se não conhecer, pelo
menos, uma centena de bons autores de épocas e países diferentes. Há livros
como a Bíblia, o Corão, Don Quixote, entre outros, que não podem ser deixados
pra lá! Fico muito preocupado quando vejo certos “especialistas” falando em
autores “do subúrbio”, “autores marginais” e outras besteiras. É a prova do
preconceito que envolve a atividade artística no Brasil. A elite brasileira
(não é elite coisa nenhuma, mas não há outro nome pra chamar essa coisa
disforme) ainda vê a arte como algo que está acima do povo, incompreensível. O
artista, se for “pobre”, deve falar/escrever errado e pertencer a alguma
minoria (é assim que eles chamam a maioria do povo brasileiro). Como hoje em
dia, ser homossexual virou carne de vaca e ser comunista está fora da moda,
parece que estamos à espera de um novo salvador das artes. Até lá, teremos que
aguentar as mediocridades que nos são exibidas. Aliás, por isso mesmo, montei
minha própria editora. Sejam felizes!
Foto: Rui Mendes . Local: Moinho, inverno
de 1986. Frente esquerda ( Finho);
direita- (Mingau) Fundo- esquerda. (Ari)
Direita- (Miro). Foto enviada por Carlos Finho.
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