Não é por ter se formado que nosso querido escritor Gabriel Justino deixou de nos escrever!
Acompanhe agora o mais novo conte dele, agora escrito de uma nova fase de sua vida.
Conhecimento
Leia,
leia sempre e o que puder. Adquira conhecimentos, se algum dia porventura você
perder tudo ou arrancarem isso de você, a única coisa que jamais poderão lhe
roubarem ou lhe tirarem é o seu conhecimento, que permanecerá com você todos os
dias até o dia em que sua vida findar.
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Biblioteca Circulante |
Sempre
falei isso para um amigo meu, que adentrou as portas da biblioteca e parecia
meio desconfortável frente a outras pessoas, talvez porque fosse como um livro
que à primeira vista ninguém gosta, os livros marginalizados por uma elite que
acha que deve ditar as regras do que as pessoas podem ou não ler, como eu
poderia julgar um livro pela capa? Sabendo que, em muitos casos, a capa pode
não nos atrair, mas o seu conteúdo é imensamente rico e demasiadamente benéfico
para a nossa mente, ajudando-nos a crescer intelectualmente e a entender essa
longa estrada que percorremos e que nomeamos de vida. Se eu tenho essa noção,
como eu poderia ignorar um morador de rua que adentrou a biblioteca para buscar
refrigério para a sua mente, já tão perturbada e marginalizada pela sociedade?
Logo eu, que sou uma bibliotecária e sei que nunca podemos julgar um livro pela
capa, mas sim pelo que o seu conteúdo revela.
O conhecimento é de suma
importância, um livro que li uma vez diz que o povo sofre e padece pela falta do
conhecimento. Aqueles que não entendem e que não buscam enriquecer sua
sabedoria através das leituras, exercitando a mente, ficam à mercê de
manipuladores que com palavras bonitas e melodiosas enganam e cegam fazendo com
que você caminhe rumo ao desfiladeiro da ignorância, tornando-o uma pessoa
manipulável e sem voz ativa na sociedade, deste modo, essas pessoas acabam
acreditando em tudo o que ouvem por aí, não questionam, só esperam palavras
mastigadas ao invés de buscarem a própria fonte que as alimentará. Afinal muito
melhor ter uma fonte própria e mastigar sua própria comida do que esperar com
que outros o façam por você.
Acho que
você já deve ter imaginando como eu sou pelas poucas linhas que aqui escrevi, para
início de conversa, não eu não sou uma velhinha de coque que usa óculos e pede
silêncio o tempo todo. Talvez seja isso que pense porque este foi o
conhecimento errôneo que te passaram. Fala sério! Sabia que minha profissão é
muito mais que os livros? Do que a capa revela? Foi assim que surpreendi aquele
morador de rua que se tornou meu amigo, com a informação, na verdade é este o
meu papel, pelo menos, no local em que estou, atender o público, mostrar e
ajudar a desvendar um mundo de informações e conhecimentos vastos. Pense em mim
como um Google melhorado, que entrega exatamente a informação que você busca,
quer e precisa e não um emaranhado de informações desnecessárias.
Não que essa seja uma tarefa
simples, ou você acha que existe um curso superior para ser bibliotecário e que
só aprendemos a guardar livros na estante e passamos o dia todo lendo o que
gostamos e quando chega alguém na biblioteca fechamos a cara porque não
gostamos de ser incomodados? Posso te dizer que você está tão distante da
verdade, olhe para mim: não uso coque (meu cabelo está solto), ao invés dos
óculos uso lente, me visto com o básico mesmo, calça jeans e camisa (risos), se
me olhasse nunca diria que sou bibliotecária (ou diria?).
Enfim, vamos ao que
interessa, ajudei o Fernando a sair das ruas, ele se sentia mais confortável
quando a biblioteca estava quase fechando ou logo pela manhã quando abríamos, pois,
eram os horários em que a maior parte do público não estava presente e não o incomodava.
As pessoas são cruéis, achavam que só porque ele não estava bem vestido e
limpo, tinham o direito de inquerir no olhar a rejeição e fazer com que ele se
sentisse diminuído para sair dali, creio que era como, elas dissessem “Você não
pertence a esse mundo, não é para você, o que ainda faz aqui? Aqui não é o seu
lugar! ”
Lembro que quando falei com ele pela primeira
vez, ficou desconfiado, achou que iria expulsá-lo e não entendeu o porquê
dirigi a palavra a ele, indiquei aquele livro sobre a jornalista branca que escreveu
sobre as empregadas domésticas negras dos Estados Unidos na década de 60, e a
partir dali tinha motivos para puxar assunto e indicar outros livros para que
ele lesse, e a partir daí que nós fomos nos tornando cada vez mais amigos. Teve
um livro que eu indiquei, que ele realmente ficou extasiado ao lê-lo, era o
livro de José Saramago, “Ensaio sobre a cegueira”, ele me comparou com a Mulher
do Médico, falava que estava guiando-o quando ele não podia mais enxergar o
caminho. Que quando a cegueira da ignorância o alcançou, eu fui aquela que o
ajudou nas ruas caóticas e cuidei dele quando sua visão já não alcançava nada.
A cegueira que o atingiu, era a cegueira da ignorância e ele quando contava sua
história, ficava com os olhos marejados, a sociedade o tratava de um tal modo,
que parece que ele perdia a condição de ser um ser humano e passava a ser um
animal que merecia ser extirpado.
Por que estou lhe contando a
história do Fernando e não a minha? Simples, a história dele se cruza com a
minha, eu sei o quanto o conhecimento liberta, sei disso porque tive uma
infância difícil, é difícil estudar em uma escola pública, você sempre acha que
está a um passo atrás daqueles que podem pagar um ensino particular, tentava
compensar minhas dificuldades em português quando frequentava as biblioteca da
minha escola e pública, quando pegava alguns livros emprestados, tinha que dar
conta dos afazeres domésticos e ajudar minha mãe, e ainda conseguia um tempo
livre para ler as histórias que me faziam viajar para vários mundos e lugares
que não conhecia. E percebi que aos poucos, os livros me agregaram conhecimento
e algo em mim sabia que o caminho dos livros, do conhecimento e da informação
era o que eu queria para a minha vida.
Neste exato ponto é que
entra minha missão de ser uma bibliotecária com a história do Fernando, sabe o
que lhes contei sobre informação e ignorância? Eu ajudo as pessoas a enxergarem
o mundo das possibilidades, pois, em um mundo em que as tecnologias estão cada
vez mais avançadas e as informações mais rápidas, eu tenho um olhar
diferenciado para tudo isso, mesmo em meio a manipulações informativas e ao
excesso informacional, posso lhe ajudar a entender como minerar ela e encontrar
exatamente aquilo que é verdadeiro, confiável e principalmente que não irá te
manipular pois terás conhecimento suficiente.
Assim que ajudei o meu
amigo, tirando algumas vendas que ocultavam sua visão para ele chegar onde
chegou, claro que isso ele não conseguiu só com a leitura dos livros, eu
conhecia algumas pessoas que puderem contribuir de uma forma mais substantiva,
como dando um lar temporário para ele e auxiliando-o na readaptação e inserção
na sociedade. Fico muito feliz em saber onde ele está e a posição em que ele chegou.
Me despeço por hora deixando
a seguinte reflexão: Qual é o nosso papel diante do desenvolvimento de uma
sociedade mais justa e humana? Fazer ou não fazer nada em prol da equidade
social? É uma escolha individual? O que posso fazer para mudar a sociedade em
que vivo? Em alguns desses questionamentos, deixo para você a seguinte
mensagem, busque a informação não se contente apenas com a superfície, deixe
seu conhecimento crescer e te guiar para tornar a sociedade um lugar, no qual
as pessoas, são exatamente isso, pessoas. Pessoas sem rótulos e que precisam
ser amadas independentemente de onde se encontram, de suas escolhas ou de quem
são, pois, quando eu consegui pensar dessa maneira, não vi um morador de rua
sujo adentrando a biblioteca, vi uma pessoa que precisou de minha ajuda para
encontrar a si mesmo num emaranhado de informações que o fizeram perder-se dentro
de si.
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