MC Traduções: A nova biblioteconomia: como a transformação é necessária para sustentar nossas comunidades - Por: Marina Chagas
A nova biblioteconomia: como a
transformação é necessária para sustentar nossas comunidades
Em uma época de crescente polarização política, perda de verdades comuns da comunidade e, francamente, com a erosão de conceitos como um bem comum, os bibliotecários devem defender a equidade, a inclusão, a diversidade e o bem de todos os membros da comunidade.
24 de outubro de
2018 por rdlankes
Link original: https://davidlankes.org/new-librarianship-how-transformation-is-necessary-to-sustain-our-communities/
Tradução por: Marina Chagas Oliveira
“A nova biblioteconomia: como a transformação
é necessária para sustentar nossas comunidades”. 13º Congresso Nacional de
Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas. Portugal. (via videoconferência)
Fonte: Lankes (2018). |
Texto da fala: Leia o script do orador (no idioma original)
Abstract: As bibliotecas
existem, de uma forma ou de outra, há mais de 4.000 anos. Elas o têm feito não
por serem as mesmas, mas porque mudam constantemente para atender às novas e
emergentes necessidades das comunidades que servem. As bibliotecas e os bibliotecários
que as constroem e mantêm, adotaram novos serviços, tecnologias e visões de
mundo para cumprir sua missão básica de melhorar a sociedade por meio da
criação de comunidades mais inteligentes. Onde antes as
bibliotecas eram para as elites, ou para uma porção restrita da sociedade, hoje
elas abrangem a sociedade desde o nascimento até a velhice - da escola ao
trabalho.
Esta palestra
estabelece a fundação de uma nova biblioteconomia fundada em conhecimento e
comunidades. Estabelece uma
crescente escola global de conhecimento, que está transformando o núcleo da
biblioteconomia, não como uma rejeição do passado, mas como o processo pelo
qual toda profissão viva passa: servir as comunidades de hoje. Servir comunidades
que enfrentam o crescente populismo, discórdia política, migração humana
maciça, disparidades salariais, ruptura tecnológica e muito mais. O que o mundo
precisa agora não é apenas um novo serviço,
mas de bibliotecários preparados para servir toda a sociedade como seus defensores.
Senhoras e senhores, peço desculpas por não poder estar presente. Eu estou atualmente
passando por um transplante de medula óssea para tratar o câncer recorrente. No entanto, os
organizadores tiveram a gentileza de me permitir falar com você através deste
vídeo. Também peço desculpas
por ler um roteiro, mas minha esperança é que, ao disponibilizar a transcrição
com a palestra, ela possa superar algumas das minhas limitações com
os idiomas.
O câncer é uma doença horrível que tem muitos efeitos sobre os
pacientes e aqueles que os rodeiam. Para mim, receio, um dos efeitos colaterais é uma clara perda de
paciência e sutileza. Por isso, peço desculpas se minhas observações forem um pouco
diretas e, por vezes, sem detalhes. No entanto, minha principal tarefa para o congresso, creio eu, é
desencadear conversas.
Então deixe-me começar
com isto: é hora dos bibliotecários adotarem a mudança transformacional na
maneira como trabalham e nas bibliotecas que constroem. Precisamos fazer essa
mudança não para mantermos nossos empregos ou preservarmos nosso lugar em nossa
cultura. Precisamos fazer essa mudança porque muitas das comunidades que
servimos estão sofrendo e somos uma das últimas instituições que podem
ajudá-los.
Em uma época de crescente polarização política, perda de verdades comuns da comunidade e, francamente, com a erosão de conceitos como um bem comum, os bibliotecários devem defender a equidade, a inclusão, a diversidade e o bem de todos os membros da comunidade.
Precisamos
fazer uma mudança transformadora na maneira como estruturamos nosso trabalho,
os serviços que oferecemos e, em última análise, o prisma sob o qual definimos
nossas ações. No entanto, longe de ser
uma substituição de nossa missão principal, essa transformação é uma nova
abrangência e reinterpretação de nossa missão e valores centrais que evoluíram
ao longo de milênios.
Nós bibliotecários
estamos em uma missão. Não é uma missão de materiais, mas uma missão de comunidade. Não é uma missão de
edifícios ou esquemas ou estruturas organizacionais, ou de melhores práticas,
mas uma missão para dar sentido às vidas daqueles a quem servimos, e de tornar
nossas comunidades mais informadas e mais inteligentes em suas decisões.
Estamos
vendo um ressurgimento da biblioteconomia em todo o mundo à medida que novas
populações descobrem nossa missão sem nostalgia. Estamos vendo um
ressurgimento da biblioteconomia porque as pessoas percebem que, em uma busca
pelo poder político ou dados de participação de mercado, a informação tornou-se
arma, a privacidade foi mercantilizada e o diálogo comunitário foi reduzido para
bolhas de pensadores de mesmo raciocínio.
Neste trabalho, não somos
santos. Através da adoção de
filtros, portais e a abdicação de valores básicos para a modernização, as
bibliotecas, por vezes, têm sido comparsas para os problemas da sociedade atual. No entanto, através do
nosso compromisso com a nossa missão e valores e, assim, transformar nossas
operações e ações, mais uma vez temos a oportunidade de trabalhar em direção a
uma sociedade mais completa e compassiva. Um progresso mais humano
que coloca os direitos e o valor dos membros da comunidade acima de seu
patrimônio líquido, hábitos de voto ou meios de ajuda.
Em todo o mundo, as
bibliotecas adotaram uma missão informacional e, ao fazê-lo, fecharam os olhos
para um conjunto de valores que não atendiam os nosso. Tudo em uma tentativa de
ser relevante para os padrões dos outros. Adotamos tecnologias
que, à primeira vista, fortalecem nossas comunidades, sejam essas comunidades,
cidades, universidades ou empresas. Achamos que ensinar as pessoas a usar Twitter e Facebook
aproximaria as pessoas e, no entanto, não ensinávamos os perigos da privacidade. Além disso, quando nos
associamos a grandes provedores de pesquisa, percebemos que, ao promover um
maior acesso, criamos grandes jardins murados que veem os membros da nossa
comunidade como consumidores e fontes de dados. Fomos rápidos demais
para compactar humanos em usuários, e pessoas em fontes de informação.
Em nossas universidades,
barganhamos para que os acadêmicos tivessem acesso a artigos, e ao mesmo tempo
alimentamos um sistema que arruinaria universidades. Nossa busca para
fornecer acesso, e não para apoiar a criação de conhecimento, isolou cada vez
mais os documentos que ajudam a promover o conhecimento humano por trás dos paywalls.
Nossas escolas primárias
estão se tornando lugares em que a exploração e o pensamento crítico estão cada
vez mais espremidos entre as avaliações mais severas. Procuramos unir os alunos em
altos níveis de leitura e transformamos os currículos em dogmas.
Na esfera pública, temos visto o design do usuário e a user experience (experiência do usuário)
substituir os conceitos de centros de aprendizagem e espaços comunitários de
diálogo rigoroso e desconfortável. Uma biblioteca deve ser sempre um lugar seguro para explorar
ideias perigosas. Pergunte a si mesmo quantas
grandes ideias perigosas e destruidoras do mundo você gerou versus o quão perigosa sua biblioteca é
para minorias, novos imigrantes, analfabetos e marginalizados?
Muitos de nossos parceiros globais ficaram presos no labirinto
de Dédalo. Construímos camadas e
camadas de associações e comitês para tentar padronizar todas as nossas funções. Temos procurado organizações
nacionais e internacionais para definir políticas e, a todo custo, evitamos assuntos
políticos, ou de alguma forma tendenciosos em nosso trabalho.
Eu
estou aqui para lhe dizer: se você é um ser humano, e se você procura melhorar
a vida dos seres humanos, você não é neutro. Se você acredita em
fomentar a aprendizagem, você não é neutro. Se você acredita que o
melhor aprendizado vem das mais diversas fontes, você não é neutro. Se você acredita que as
bibliotecas podem tirar pessoas, comunidades e instituições da pobreza, da
ignorância e da irrelevância, então você não é neutro.
Bibliotecários,
você e eu, somos agentes de mudança social positiva. Nós não podemos olhar
para o crescente ressentimento de imigrantes e minorias e ficarmos quietos. Não podemos olhar para o
crescente nacionalismo que coloca lugares de nascimento acima dos direitos
humanos e não nos comovermos.
Os bibliotecários eram
conselheiros da realeza. Ajudamos
a trazer a Europa para fora da idade das trevas. Os bibliotecários avançam com
a tecnologia no Leste e ajudam os cientistas a colocar os homens na lua. Bibliotecários médicos
estão apoiando a equipe médica que está lutando para salvar minha vida agora, e
encontraram novas maneiras de curar doenças, uma vez rotuladas como terminais. Essas bibliotecas não o
faziam com edifícios e coleções. Elas fizeram isso com sistemas humanos
dedicados ao serviço. Elas
o fizeram com bibliotecários que acreditavam em ajudar médicos, artistas,
dissidentes, engenheiros, músicos, donas de casa, estudantes e prisioneiros a
buscar todo o seu potencial e ir além do que era conhecido nos volumes, muitas
vezes trancados atrás de escrivaninhas.
E essa é a hora novamente. Porque embora eu tenha
começado com uma ladainha rabugenta sobre nossos pecados, hoje, quando olho
para o outro lado do mundo, para Portugal, Brasil, Holanda, Japão e Índia, vejo
uma nova biblioteconomia emergindo. Fundada no núcleo da longa história da
biblioteconomia, mas não limitada pelos métodos do passado. Quem define uma
biblioteca? Um
bibliotecário em parceria com sua comunidade. Uma biblioteca tem uma
coleção de livros? É
isso que uma comunidade precisa para promover suas aspirações? Precisa de um prédio
físico? Será uma
estrutura um espaço seguro ou necessário para todos?
A base de informações da biblioteconomia está feita. É hora de uma nova escola
de pensamento que guia nossas ações e nossas decisões. Não uma baseada na capacidade
tecnológica, nem em uma escola de pensamento industrial ainda mais antiga que
valorizasse a eficiência em vez da eficácia. Não! Precisamos de uma baseada
no conhecimento, uma espécie de humanismo pragmático. Agora é a hora da Escola
de Conhecimento do Conhecimento que busca sustentar nossos valores mais
queridos e nossa missão central, mas fazer isso com base
nas necessidades locais diretas de nossas comunidades.
Então, o que é essa escola de conhecimento? Começa com a nossa missão. A missão dos
bibliotecários é melhorar a sociedade facilitando a criação de conhecimento em
suas comunidades. Ou,
ainda mais simples, procuramos melhorar a vida daqueles a quem servimos
ajudando os membros da comunidade a tomar melhores decisões e a encontrar um
significado pessoal.
Com esta missão, vem um núcleo de valores
desenvolvidos através da prática ao longo dos séculos. Valorizamos
a aprendizagem - acreditamos que todos na nossa comunidade têm a capacidade e
devem ter a oportunidade de explorar novas ideias, novas narrativas e descobrir
uma nova maneira de ver o mundo. Bibliotecas de todos os
tipos são organizações que aprendem. Nem todas fazemos palestras
e aulas em pé, mas todas apoiamos a consulta. Apoiamos
os alunos aprendendo sobre novos lugares, ou mesmo aprendendo sobre si mesmos
através da ficção. Apoiamos o advogado que
ganha maior domínio da lei para um cliente ou seu próprio conhecimento. Apoiamos
médicos que aprendem sobre novos tratamentos, porteiros que aprendem sobre
novas oportunidades de trabalho, políticos que obtêm maior compreensão das
políticas e todos que buscam se abrir para novas ideias.
Valorizamos a liberdade - acreditamos que a restrição de ideias
é a restrição da capacidade humana. Isso não significa que endossamos todas as
ideias, nem significa que não fornecemos orientação, mas significa que os
indivíduos têm o direito de saber, as instituições devem ser responsáveis e
os governos devem ser transparentes àqueles que eles buscam governar. Devemos
demonstrar essa transparência em nosso próprio trabalho, estando dispostos a
fracassar em público, aprendendo lado a lado com nossas comunidades e sempre
desejando admitir quando estamos errados.
E senhoras e senhores, permitam-me dizer-lhes que não digo que
devemos modelar a aprendizagem e a transparência abertamente com facilidade. É um trabalho duro. É preciso muita confiança
e muita coragem para dizer a um membro da comunidade: "Não sei". É
muito mais fácil classificar materiais ou realizar pesquisas em bancos de dados
do que demonstrar uma falta de conhecimento com uma pessoa com um amor
simultâneo de aprendizagem.
Anos atrás, um grupo de designers e estudiosos instrucionais
trabalhava com uma biblioteca para construir um novo espaço de aprendizado. A grande biblioteca da
cidade limpou o espaço não utilizado, e deu rédea livre à equipe de pesquisa
para projetar uma área de aprendizado interativa para adolescentes. Quando a equipe mostrou as
plantas aos bibliotecários, os bibliotecários perguntaram onde estavam os livros? Os estudiosos ficaram
confusos. Este
espaço foi, afinal, no meio de uma grande biblioteca existente com muitos
volumes. O
que descobriram foi que os bibliotecários estavam perguntando: "onde estamos?"
Os bibliotecários achavam que sem livros não tinham lugar neste
espaço - os livros eram o seu valor. Os estudiosos, por outro lado, viam o valor
dos bibliotecários como facilitadores. Eles queriam os
bibliotecários em todo o espaço interagindo com os adolescentes,
experimentando, apoiando, incentivando. Os bibliotecários precisaram
reaprender seu valor, e tiveram que superar o medo de que, sem ferramentas a
que estavam acostumados, tivessem que ser o rosto da biblioteca.
Em outra biblioteca, Justin Hoenke comprou uma impressora 3D para
o seu espaço para adolescentes. Em vez de montá-la em um escritório e
dominá-la antes de permitir que os adolescentes a usassem, ele colocou o
contêiner no meio do espaço adolescente. Ele se sentou e começou a
tentar descobrir. Quando
as pessoas passassem, ele as convidaria para ajudar. Em um ponto ele teve que
levar um martelo e cinzel para o monte de plástico recentemente solidificado
que formou ao redor de uma parte mal instalada. No final do dia, ele não
apenas compartilhou a experiência de aprendizado, como também criou um
relacionamento com os que estão no espaço e uma relação de confiança.
Aprender sempre envolve confiança e medo. Há paixão, mas é um lugar
vulnerável porque muitas vezes achamos que devemos desistir de ideias que há
muito amamos, ou professamos há muito tempo. Ser um aprendiz vitalício
é também admitir todos os dias da sua vida que você viveu em algum nível de
ignorância. Que
o que você achava certo há dez anos hoje mudou. Tudo bem, é
assim que crescemos. É
por isso que hoje eu estou lutando contra o câncer com a genética em vez de com
sanguessugas. Isso
não significa que nossas ideias ou nós mesmos não tivessem valor anteriormente, apenas
significa que nosso valor continua a crescer como nós. Você não poderia ser a
pessoa que é hoje sem a pessoa defeituosa que foi ontem. O único pecado nisso é
recusar-se a não admitir a falha e manter a ignorância.
E que outros valores nos são caros como bibliotecários? Acreditamos na liberdade e
segurança intelectual. Referimo-nos
à ideia de que as bibliotecas devem ser lugares seguros para explorar ideias
perigosas. Sabemos
que as pessoas não aprenderão a menos que se sintam seguras. Isso é mais do que apenas
segurança física, embora para aqueles de nós que gerenciam edifícios,
entendemos sobre fornecer segurança física. Isso também é sobre se
sentir seguro para explorar ideias. Quantos neste público sentem que o seu local
de trabalho é seguro para você? Você pode compartilhar suas ideias malucas ou
elas serão abatidas? Você
é encorajado a experimentar novos serviços ou a fornecer grandes justificativas
e garantias antes de poder usar alguns recursos preciosos?
Agora pense naqueles que andam em suas portas. Vocês oferecem programas
de alfabetização? Você
percebe que uma biblioteca é provavelmente um dos edifícios mais
intimidadores do mundo para alguém que não sabe ler? E quanto aos novos
cidadãos? Você
oferece sinais em árabe? Inglês? Você constrói espaços para
crianças? Quão
altas são as suas estantes?
Este é o ponto… como você sabe se os espaços que você constrói
são acolhedores ou vistos como seguros para a comunidade que você atende? Você projetou e manteve a biblioteca
com a participação dela? Porque se você pode tornar sua biblioteca um espaço de
todos onde o a comunidade e os bibliotecários são servidos, coisas incríveis
podem acontecer.
Na Dinamarca, há uma biblioteca aberta 24 horas por dia. No entanto, não
há funcionários 24 horas. Depois do expediente, as portas simplesmente
não estão trancadas. A
comunidade ainda pode entrar e usar o espaço, porque eles sabem que são
bem-vindos e sabem que devem mantê-lo também. Quando perguntados como
eles sabiam que tal plano iria funcionar, os bibliotecários disseram não saber-
eles apenas tentaram. No
entanto, eu suspeito que antes deles apenas tentarem, eles construíram uma relação
de confiança com essa comunidade através de diferentes serviços ao longo dos
anos.
Em Pistoia, Itália, a biblioteca serve como a nova praça - ou
praça da cidade. Membros
da comunidade, desde críticos de cinema até trabalhadores metalúrgicos,
organizam eventos e aulas durante a semana para conhecer, ensinar e aprender com
seus vizinhos. Em
Fayetteville, Nova York, a biblioteca mantém uma sala de costura totalmente
administrada por membros da comunidade - os bibliotecários não têm ideia de
como costurar.
No Quênia, as bibliotecas são às vezes camelos carregados não só
com livros, mas com trajes tribais. No Reino Unido, as bibliotecas fundiram-se
com os museus, não só para educar a população atual, mas também para contar a
história da cidade aos visitantes e jovens.
Na Nova Zelândia, quando uma nova biblioteca estava sendo
construída, a bibliotecária contratou um artista residente para tornar o espaço
interior acolhedor. Os
artistas colocaram enormes estênceis de árvores ao longo de muros altos. Ela convidou a comunidade
a subir no andaime, mergulhar as mãos em tinta misturada com lama do local e
fazer uma impressão manual na parede. Quando os andaimes e os estênceis foram
removidos, árvores imponentes formadas literalmente pela mão e pelo solo da
comunidade cercaram o público.
Em Michigan emprestam-se livros, mas também teares e
instrumentos musicais. Nas
bibliotecas públicas de toda a Europa, os membros da comunidade podem conversar
com os vizinhos para aprender sobre outras profissões e culturas.
Já se foram os dias em que uma biblioteca parecia uma
biblioteca, não importa onde você fosse. Longe vão os dias em que
uma biblioteca é definida, mas o que ela contém. Agora são os dias em que
uma biblioteca é definida por você, fazendo seu trabalho com uma comunidade. Isso parece uma praça italiana,
ou árvores imponentes, ou impressoras 3D ou um museu? Depende do que você e sua
comunidade precisam.
Alguns acharão isso assustador - uma tela em branco onde você
deve pintar o auto-retrato de uma comunidade - e ninguém nunca nos ensinou a
pintar. Mas
outros ainda acham essa ideia excitante, transformadora, outros ainda verão
isso como simplesmente o que sempre fizemos.
E assim voltamos brevemente aos nossos dois temas: transformação
e sustentabilidade. Vemos
que não há uma linha clara entre esses dois. Para alguns, certas ideias
de serviços parecerão radicais, para outros lugares comuns. É assim que deve ser,
porque as nossas comunidades não são todas iguais e as ideias nunca são
distribuídas uniformemente. Pois alguns “espaços criadores” e “salas
comunitárias” são simplesmente sustentáveis. Para outros, elas podem
parecer transformadoras. É
assim que sempre será. No
entanto, essa natureza desigual ou transformação me leva ao próximo ponto - a
adoção de ideias dentro de uma comunidade nunca deve ser devido à preparação ou
coragem insuficiente das bibliotecas que buscam atender a essas comunidades.
Toda profissão constrói mecanismos para se normalizar - para se
definir. Por
meio de conferências, associações, certificações, currículos, até mesmo
declarações de políticas e definições de campos de melhores práticas, buscam
manter-se unidos – sustentar-se - à medida que avançam - transformam, ou pelo
menos evoluem. Na
biblioteconomia, construímos um sistema global que faz todas essas coisas. No entanto, aqui devemos
examinar o que precisamos transformar para sustentar a profissão.
Não podemos mais depender de uma rede profissional global que
veja apenas instituições e agências primeiro. Uma escola de conhecimento
global é, antes de tudo, uma rede
de bibliotecários e aliados que buscam avançar em seus serviços nas
comunidades. Os
principais produtos e serviços desta rede não são padrões e melhores práticas,
mas orientação, compartilhamento de experiência e reconhecimento de inovação
individual.
A definição de nossa profissão não deve mais ser um conjunto de
serviços comuns e características institucionais, mas
deve ser a capacidade, a visão de mundo e as conexões dos bibliotecários. Não é mais o papel do
bibliotecário combinar com algum padrão de biblioteca arquetípica. O papel do bibliotecário é
avaliar as capacidades e a cultura da comunidade, buscar as melhores ideias
para servir a comunidade e depois trabalhar com essa comunidade para adaptar
novas ideias que impulsionem os sonhos e as aspirações dessa comunidade. Repare
que eu disse “adapte”, não “aplique”. O que aparece em Lisboa não deve ser o
mesmo em Toronto, embora possam compartilhar muitas ferramentas, teorias e
recursos.
Eu fiz parte de muitas conversas sobre como "virar" as
bibliotecas. Isto
é, como tomar instituições que buscam servir a si mesmas e suas coleções sobre
as necessidades em mudança das comunidades que servem. Minha resposta é que você
não o faz. Você
procura conectar bibliotecários de pensamento avançado. Em vez de tentar
transformar todas as bibliotecas, você localiza bibliotecários progressistas
através das fronteiras institucionais e nacionais. Você encontra
bibliotecários com as melhores ideias e os transforma em mentores. Você encontra
bibliotecários ansiosos que se sentem abatidos por atitudes institucionais de
inflexibilidade e mostra que não estão sozinhos. Você mostra ótimos
bibliotecários, não importando seu status ou as falhas de seus empregadores,
que eles são parte de uma escola de conhecimento global que está sustentando os
sonhos das comunidades e transformando os membros da comunidade em ativistas
para uma sociedade melhor.
Quando olhamos para o outro lado do globo, vemos os fundamentos
dessa nova escola de pensamento criando raízes. On-line, vemos o surgimento
de grupos do Facebook que conectam bibliotecários com ideias parecidas. Vemos organizações como as
Bibliotecas Públicas 2020, líderes de bibliotecas de rede em toda a Europa,
para influenciar políticas. A Austrália reúne novos bibliotecários para
equipá-los para mudar as organizações.
Temos a pesquisa em biblioteconomia e ciência da informação que
analisa além das métricas e valoriza, além do estado dos serviços, a instalação
do design thinking. Temos uma visão de mundo
emergente que fornece estudos de caso reais de bibliotecários que tornam as
comunidades mais inteligentes. Temos novas mensagens emergindo da Escócia e
da Dinamarca que dizem que não existe uma Cidade Inteligente sem Cidadãos
Inteligentes que entendam como dados e algoritmos podem ser usados para
fortalecer ou oprimir. No
Brasil e na Índia, os bibliotecários frustrados com modelos de serviço
ultrapassados estão construindo bibliotecas pop-up nas praias e nas cidades
rurais para educar, e não simplesmente entregar materiais.
Esses grupos se reúnem em conferências e fazem parte de
associações, mas não estão limitando a voz à seus membros, nem estão buscando
um acordo universal antes da experimentação e do reconhecimento.
Depois de uma palestra anterior, alguém resumiu essas ideias
como “pense globalmente, aja localmente”. Sim, em parte. Precisamos agir local e
globalmente. Precisamos
não apenas garantir que nossas comunidades locais sejam bem atendidas, mas
também garantir que nenhum bibliotecário seja deixado sozinho em isolamento.
O que nos torna bibliotecários
é nossa missão, nossos valores e nossos meios de serviço. A missão é secular, antes
mesmo de haver uma profissão formal. Os valores? Eles surgiram e foram
reinterpretados ao longo desses séculos. De fato, hoje vemos um
debate construtivo real sobre conceitos de neutralidade, equidade e
objetividade. Essas
conversas são difíceis e longas e difíceis, como deveriam ser. Os meios de serviço? Estes se alteram
regularmente com novas ferramentas, novos ambientes e novas expectativas de
nossas comunidades. O
que forma a biblioteconomia é uma conversa contínua sobre quem somos e como
podemos ajudar, e um rico ecossistema de acadêmicos, profissionais, estudantes,
membros da comunidade e aqueles que apoiam as bibliotecas fazendo seu trabalho.
Essa conversa que é nossa profissão não se limita a uma
organização ou a um evento, está acontecendo todos os dias. Está acontecendo todos os
dias porque somos uma profissão viva que está aprendendo e adaptando,
sustentando e transformando todos os dias. Se isso soa exaustivo e
não energizante, eu entendo - pode ser, mas não deveria. O que é desgastante é
quando, como profissão, não cumprimos nossos valores de aceitar e apoiar a
diversidade, e quando não usamos nossas próprias habilidades de facilitação
para ter um debate difícil e rancoroso em um nível profissional, não pessoal.
Nós temos que concertar isso, quando vemos para os
nossos países e comunidades e vemos a desintegração da civilidade e o respeito
pelo outro. Nós
devemos ser o modelo para o caminho a seguir, quando vemos a resistência
à inclusão e a substituição da razão e da escolaridade pela crença pessoal
sobre todos, devemos ser o caminho a seguir.
Eu vejo um futuro
brilhante para a biblioteconomia em Portugal e em todo o mundo. Eu vejo muitos de nós em
pé. Eu
nos vejo reconhecendo nossos pecados passados e abraçando nossas obrigações
futuras. Este
caminho não será fácil, mas já começou, e já estamos colhendo recompensas. Eu os convido a
participar.
Obrigado.
A opinião dos colunistas e dos relatos publicados não representam necessariamente a posição da FaBCI da FESPSP, ou de sua Monitoria Científica. A responsabilidade total é do(a) autor(a)do texto
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