Como as bibliotecas públicas desempenham um papel vital na recuperação da economia.
Prédios de bibliotecas públicas são abrigos
seguros e estimuladores da economia que operam silenciosamente em cada
comunidade. Atuam tanto no espaço físico quanto no virtual, auxiliando os
usuários com serviços básicos como encontrar um emprego, abrir seus próprios
negócios e ensinar seus filhos a ler.
Durante a pandemia, as bibliotecas tiveram de
fechar seus prédios ao público leitor de livros em geral, mas as instalações
foram usadas de maneiras diferentes, por exemplo, como centros de distribuição
de alimentos e laboratórios de informática de emergência para grupos de baixa renda. Nas
últimas semanas, elas começaram a reabrir lentamente, com uma compreensão
renovada do papel único e essencial que as bibliotecas desempenham na
comunidade de forma física.
De acordo com Mary Rowe, presidente e
executiva-chefe do Instituto Urbano Canadense, os tempos incertos trouxeram à
tona a nova realidade de que a biblioteca também é um tipo de serviço público
da linha de frente. “Em uma cidade contemporânea, o ambiente construído [nas
bibliotecas] consiste em vários tipos de instalações que funcionam como
âncoras”, diz ela, “e durante esta pandemia isso se tornou claro”.
Em abril, o Instituto Urbano Canadense realizou
um painel especial de discussão relativo à pandemia sobre como os espaços
físicos dessas instituições estavam se ajustando ao lockdown e se
preparando para reabrir. No futuro, diz Rowe, elas desempenharão um papel
essencial na recuperação da economia. “Uma biblioteca é um serviço econômico
tanto quanto qualquer outro”, diz ela. “Para ter uma economia que
funcione, você precisa de pessoas saudáveis, capazes de contribuir e que tenham
as habilidades e recursos para participar.”
À medida que a vida se torna mais difícil para
as pessoas que ficaram desempregadas ou desabrigadas, a igualdade de acesso aos
espaços e recursos da biblioteca está assumindo um significado mais
profundo. A demanda por serviços on-line disparou em todo o país, com
expansão da programação virtual e aumento de gastos com e-books. O sistema
de bibliotecas de Ottawa – que havia emprestado mais de meio milhão de
materiais no início da pandemia – teve um aumento de 5.000 usuários temporários
durante o lockdown, e em Halifax, 6.000 novos usuários foram cadastrados.
Em julho, a última unidade do Sistema de Bibliotecas
Públicas de Halifax foi reaberta, e o público estava esperando. “Eu estava em
nossa biblioteca central quando eles destrancaram a porta na reabertura, e
entre as primeiras pessoas estava um jovem que disse que acordou às 6:45 da
manhã porque mal podia esperar”, disse Asa Kachan, bibliotecária-chefe. “Considero
meu trabalho um pouco mais empreendedor do que era há 20 ou 30 anos, mas também
sinto que estamos em um renascimento, e as pessoas estão reconhecendo cada vez
mais o papel central que a biblioteca desempenha.”
Christina de Castell, bibliotecária-chefe do Sistema
de Bibliotecas Públicas de Vancouver, diz que, desde março, mais de 3.000
pessoas solicitaram virtualmente novos cartões das bibliotecas e houve um
aumento de 80% no uso de e-books. “Em uma recessão ou crise econômica, vemos um
uso muito maior de bibliotecas, historicamente, quando as pessoas precisam se
esforçar mais para ganhar dinheiro”, diz ela. “É nessa hora que elas
descobrem tudo o que as bibliotecas têm a oferecer.”
Há também uma valorização renovada do
papel-chave que as bibliotecas oferecem às pessoas que não têm internet ou que
moram em quartos apertados e não têm o luxo do espaço. Para reduzir o
abismo digital – 15% dos usuários não têm acesso à internet, diz Castell – a
biblioteca central criou um laboratório de informática temporário com oito
estações, em uma grande sala de reuniões, para atender quem não têm
computadores ou impressoras. A unidade, que fica próxima ao centro
comercial da região leste da cidade, também concedeu permissão especial para
reabrir seus banheiros a quem não pode acessá-los em outro lugar. Recentemente,
o Sistema de Bibliotecas Públicas de Vancouver reabriu 5 de suas 21 unidades,
com restrições de segurança.
Embora o objetivo principal ainda seja a
disseminação de informação, os membros da equipe da biblioteca também fazem
treinamento sobre como ter empatia com as pessoas vulneráveis e muitas vezes
estão envolvidos em trabalho comunitário, visitando creches de bairros pobres
próximos ao centro para auxiliar na alfabetização de crianças ou entregar
materiais de biblioteca em lares de idosos.
Os profissionais da biblioteca apontam os
cortes nos serviços públicos de saúde e sociais, ao longo dos anos, como a razão
para o aumento da demanda. “As reduções no financiamento de certos programas,
seja de saúde mental, de assistência jurídica ou outras formas de apoio social,
levaram as pessoas para as bibliotecas, então agora oferecemos muito mais
serviços do que há 20 anos”, diz Castell.
Eric Klinenberg, professor de sociologia da
Universidade de Nova York, escreveu sobre o papel crucial da infraestrutura
social, como as bibliotecas, por exemplo. Em um artigo publicado pelo The
New York Times, em 2018, ele escreveu que, apesar do fato de que as bibliotecas
estão sobrecarregadas com uma demanda crescente, elas seguem bastante
necessitadas de recursos.
Parte do desafio, ele argumenta, é que o
princípio de que todas as pessoas merecem acesso gratuito está fora de
sincronia com a atual ordem mundial dominada pelo mercado. Além disso, ele
aponta que poucas pessoas influentes entendem o amplo papel da biblioteca
moderna nas comunidades. “As bibliotecas estão sendo menosprezadas e
negligenciadas precisamente no momento em que são mais utilizadas e
necessárias”, escreveu ele.
Há também a questão do uso do espaço
físico. Como as bibliotecas têm se mostrado muito bem-sucedidas no mundo
virtual, algumas pessoas questionam a necessidade de usar tantos imóveis
públicos. Com os altos preços dos terrenos nas grandes cidades, as bibliotecas
– como outros estabelecimentos, em tempos de ruptura tecnológica, – precisam
justificar a área que ocupam.
A CEO do Sistema de Bibliotecas Públicas de
Ottawa, Danielle McDonald, não descarta mudanças, como o aumento do uso de
serviços on-line, mas diz que a necessidade de uma “sala de estar comunitária”
também é mais forte do que nunca.
Ela vê a biblioteca evoluindo ainda mais em um
híbrido de físico e virtual. O Sistema de Bibliotecas Públicas de Ottawa cobre
a maior região geográfica do país, com 650 funcionários, 33 unidades, 2 ônibus
biblioteca e um orçamento de mais de 50 milhões de dólares. Como muitas
bibliotecas públicas, se esforça para fazer o orçamento render, pois os custos
são financiados, em grande parte, pela cidade e, em menor volume, pela província[1].
“Quando você olha para os padrões históricos de
epidemias e diferentes [crises], voltamos a usar nossos espaços ... porque
somos seres sociais”, diz McDonald. “À medida que ampliamos as áreas
urbanas, as pessoas precisam de um espaço onde possam ir.”
Andy Yan, urbanista e diretor do programa de
desenvolvimento urbano na Universidade Simon Fraser, está preocupado que as
bibliotecas possam enfrentar ainda mais cortes de financiamento do governo,
apesar de terem provado seu papel no desenvolvimento das comunidades. Em
seu emprego anterior, Yan trabalhou ao lado do renomado arquiteto da província
de Colúmbia Britânica, Bing Thom, que projetou a Biblioteca do Centro da Cidade
de Surrey. Yan lembra que apenas o anúncio da hoje icônica estrutura foi
tão empolgante para os investidores que se tornou fundamental para ajudar o município
crescer.
“Espero que [os órgãos de financiamento] se lembrem de que as bibliotecas podem não gerar receita direta”, diz ele, “mas podem ajudar um imigrante a aprender inglês ou dar a alguém os recursos para encontrar um emprego ou abrir um negócio”.
Tradução
livre por: Nádia Rodrigues Lopes de Oliveira
Título
original: How public libraries play a vital role in restoring the economy
(Kerry Gold)
Artigo original em inglês: link
Nota da tradutora: [1] O Canadá divide-se administrativamente em 3 territórios e 10 províncias. As cidades mencionadas no artigo localizam-se nas seguintes províncias: Ottawa (Ontário), Halifax (Nova Escócia), Vancouver e Surrey (Colúmbia Britânica).
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