No 6º Colóquio de Bibliotecas Digitais que aconteceu na semana
passada no Sesc Vila Mariana, mais uma rodada de apresentações de plataformas
para oferta de conteúdos digitais. Nesta edição, foram apresentadas dois novos
lançamentos no Brasil: a francesa Culturethèque e a plataforma alemã Online.
A iniciativa, fruto de uma parceria França-Alemanha através do
Fundos Elyseos, se concretizou com o trabalho da Embaixada da França no Brasil
e o Goethe-Institut São Paulo. Como o tema “O acesso à biblioteca no clique de
um mouse – a midiateca digital”, o tom foi de uma certa reverência às
tecnologias de informação e comunicação de hoje, especialmente no que diz
respeito à curadoria e ao armazenamento.
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Anne Pasquignon e Professora Marcia Rosseto |
Anne Pasquignon, diretora adjunta de coleções da Biblioteca Nacional da França,
fez um panorama da situação da instituição, com mediação da professora Márcia Rosseto. Com números vultosos: um acervo de 36
milhões de objetos (maquetes, cenários, etc.), sendo 15 milhões de impressos e
20 milhões de documentos especializados. Com um orçamento de 230 milhões de
euros, que sofreu uma baixa nos últimos anos, gasta-se de 10 a 12 milhões deste
montante com aquisições anuais, 130 milhões com pessoal e 20 a 30 milhões com
investimentos. Tudo para atender a um público de 1 milhão de leitores em geral,
dos quais 18 mil respondem por acessos ao site. Destes, 300 mil acessam mais de
1 milhão de documentos.
Depósito legal em xeque
Mesmo com recursos nada desprezíveis, apenas 4% da coleção é
tratada, pois precisam de mais investimentos para darem conta de números tão
astronômicos. Digitalizam prioritariamente os documentos em francês e os livros
mais interessantes, política que coloca em questão o depósito legal.
“Precisamos de tudo isso?”, perguntou Anne.
Bibliotecários mais perto dos leitores
A diretora também relatou os problemas de acesso físico e a
preocupação em se colocar o escritório da administração juntos aos leitores
para aproximar os bibliotecários de seus usuários. Anne foi clara e direta em
pontuar que esta medida tem como objetivo fazer com que os leitores e usuários
percebam que podem se dirigir aos bibliotecários a qualquer momento, sem receio
de que possam estar atrapalhando seu trabalho.
Muitas parcerias para digitalização em massa
Indiscutivelmente, os jornais e periódicos são os itens mais
acessados e há uma clara intenção em digitalizar esta parte do acervo, mas a
temporalidade é um sério impedimento. Para evitar a digitalização repetida de
obras, fizeram parcerias com as outras bibliotecas e adotaram o critério de
disponibilizar fisicamente o material digitalizado.
Em conformidade com o contexto econômico do país
Com o Grande Plano Econômico Francês de 2008-2009, em que os
esforços concentraram-se na recuperação do nível de emprego da população, entre
outras medidas, decidiu-se que a
digitalização deveria permitir uma exploração econômica, a ser pautada pela relevância
para um determinado público. Este fato revela uma preocupação em se atender a
uma política macro de difusão cultural e econômica.
Evolução de hardware
A sensível evolução dos scanners trouxeram resultados qualitativos e
quantitativos superiores, com tecnologias que permitem a varredura de objetos
de abertura reduzida. Devido a este fato, itens em condições absolutamente
precárias puderam ser digitalizados.
O depósito legal na internet
Para a coleta dos documentos que já nasceram digitais, os chamados
digitais nativos, a dependência de arquivos digitais dos editores e os
depósitos legais na internet são questões inerentes à discussão sobre como
proceder para esta coleta e armazenamento. O depósito legal desta tipologia de
documentos substitui o depósito em papel e a instituição administra a custódia
e o acesso a pen drives e outros
suportes enviados pelos editores.
Projeção para o futuro: Gallica Intramuros
A Gallica Intramuros é a projeção da instituição para os próximos
anos: uma base de dados para o futuro, que coleta os documentos do depósito
legal da internet que envolvem toda a produção francesa corrente na rede. É
acessível apenas no âmbito da Biblioteca Nacional da França e não permite o
download nem o xerox.
E projetos que não acabam mais!
Além de tudo isso, Anne ainda apresentou o Projeto Believe Digital e
o Memon, para música, o Projeto Imprensa e o polêmico RELire, projeto dedicado
a livros esgotados. Neste último, obras de estado são digitalizadas para uso
privado, o que tem gerado muitas discussões e intenções de processos legais..
Jörg Meyer e a divibib
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Jörg Meyer |
Jörg Meyer, sócio executivo do grupo alemão ekz, falou em seguida em
nome de uma das maiores empresas de produtos e serviços para bibliotecas da
Alemanha. A ekz é um grupo de cinco empresas que preparam há anos conteúdo para
bibliotecas públicas. Contextualizou então sua apresentação especificamente
para bibliotecas públicas e para mídias atuais, não científicas. Objetivo, Jörg apresentou um quadro geral com gráficos claros
mostrando que entre todos os produtos pesquisados na internet os livros estão
em primeiro lugar e, entre os mais comprados, lá estão eles de novo: livros.
“As pessoas gostam de comprar livros pela internet”, concluiu o alemão.
“Portanto, o livro impresso não vai morrer”, afirmou Jörg.
Editores têm medos das bibliotecas
Além desta constatação que soa muito agradável aos ouvidos dos
bibliotecários, Jörg foi mais arrojado, apresentando gráficos e números que o
levaram a concluir que “os editores afirmam que têm medo das bibliotecas, pois
elas podem destruir todo o negócio de e-books”, revelou. Desta forma, o
executivo mostrou um sem número de possibilidades de negócios com tipos de
licença de uso.
Argumentação
Para convencer os editores a negociarem com as bibliotecas públicas,
Jörg tem uma forte argumentação: com mais dados e gráficos, consegue demonstrar
a eles que os usuários que mais emprestam livros das bibliotecas públicas
alemãs são especificamente os que mais compram livros. Ou seja, não há uma
substituição, e não há filtros sociais: todas as classes entram nestas
estatísticas, segundo seus dados.
Estado interventor nas políticas do livro
Segundo Jörg , a Amazon tem assumido o papel do editor, já que
muitos autores estão lançando diretamente suas obras diretamente no gigante
americano. A empresa também possui um sistema Premium que oferece um e-book
mensalmente para seus clientes mais fiéis.
“Se os editores forem muito contra a circulação de conteúdos e
acesso, a política de estado deve intervir”, afirmou Jörg.
Mercado em crescimento
Se os números são animadores na Alemanha, aqui no Brasil o mercado
para livros triplicou. E para os e-books, a aceitação aumentou: 18% da
população adulta brasileira consumidora de livros já compraram um e-book.
Divibib
Lançado em 2007, o projeto divibib pretende integrar até 2015 de
2000 a 2500 bibliotecas públicas
alemãs, o que será a quase totalidade do país.
Batizado de onleihe, que já quer
dizer “empréstimo”, a plataforma permite o empréstimo pelo smartphone
inclusive, em um sistema muito similar ao site de compras Amazon. O detalhe
neste serviço é que o carrinho não é um carrinho de compras e que o livros,
depois de baixados automaticamente para a máquina do usuário, são
“devolvidos”automaticamente na data, o que significa dizer que o arquivo fica
indisponível após a data combinada de devolução, impossibilitando atrasos. Os
prazos variam de 2 semanas para e-books e um dia para jornais.
Sem Justin Bieber
Pensando no papel e nas funções tradicionais das bibliotecas, o
serviço não oferece músicas populares pois são facilmente encontradas pelo público em geral. “Não temos Justin Bieber,
temos música clássica e jazz”, afirma Jörg Meyer.
Fornecedor
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Professor Francisco Lopes |
O professor da FESPSP Francisco Lopes, presente ao evento, apontou
algumas observações sobre a fala de Jörg Meyer: “Este modelo de negócios
apresentado por esse fornecedor está dentro de uma lógica privada, contrapõe
à visão tradicional da biblioteca compreendida como uma instituição de custódia
das coleções do saber humano ao valorizar a abordagem privada em detrimento da
dimensão pública da informação
No
entanto, nós, bibliotecários temos que compreender os impactos ocasionados pela
inserção desses novos modelos de negócios (aquisição), pois eles
redimensionarão a práxis bibliotecária e as atividades da biblioteca (políticas
de aquisição, desenvolvimento de coleções, acesso e uso). É
necessário que os bibliotecários conheçam as especificidades desses modelos de
negócios (assinaturas de e-books) para saber dizer “não” e “sim” aos editores,
sempre se esforçando na tentativa de flexibilizar esses modelos de modo que
contemple uma abordagem mais democrática e pública da informação. Em minha
opinião a inserção do e-book na biblioteca pode ressignificar o próprio
conceito de biblioteca ao redimensionar o modo como a biblioteca organiza a
suas atividades e serviços para o seu público. Um
exemplo desse redimensionamento perpassa pelo significado do que é “Custódia e
Coleção”. A biblioteca, ao adotar os modelos de negócios de assinaturas e
empréstimos de e-books, acaba diluindo os conceitos tradicionais de custódia e
coleção. Bibliotecas sem coleções? Indaga o professor.
Élida Belo, aluna do oitavo semestre matutino, também tem críticas:
“É muito complicado você
colocar nas mãos de uma empresa privada a
acessibilidade aos documentos, o conhecimento humano.”
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Élida Belo |
Editores resistirão aos livros?
Na parte da tarde, o colóquio teve poucos destaques. Um deles,
certamente, foi a fala do diretor da Biblioteca Pública Municipal de Munique, Arne
Ackermann, com uma inteligente intervenção do professor Fernando Modesto. Em
sua abertura, o professor Modesto provocou: “Se os livros continuarão a
existir, as bibliotecas também, a pergunta é: será que os editores continuarão
a existir?”
A importância da biblioteca pública alemã
Em sua apresentação, Ackermann apresentou os espaços físicos das
bibliotecas de Munique, o acervo com arquivos do escritor Thomas Mann e os
serviços da Biblioteca de Munique, como a oferta de livros em hospitais. Com um
orçamento que vem de verbas públicas e fontes próprias, como a taxa recolhida
por atraso na devolução dos materiais, a missão das bibliotecas públicas alemãs
cerca o desenvolvimento educacional e cultural com afinco, com enfoque total na
formação e ensino dos jovens. O que chamou muito a atenção foi a fala de
Ackermann sobre a crucial importância da biblioteca pública alemã na vida
escolar das crianças, especialmente aquelas em idade escolar. O diretor afirmou
que as bibliotecas públicas alemãs são muito importantes para as escolas e as
creches, e recebem um público maior que os frequentadores de jogos de futebol
nos grandes estádios. “A biblioteca pública é a sala de estar das pessoas”.
Debates sobre neo-nazismo
Entre as ações promovidas pela Biblioteca Pública de Munique, estão
séries de músicas e discussões sobre o avanço do neo-nazismo, tudo com
curadoria das próprias instituições. Ficou latente a liberdade e autonomia que
esta rede conquistou frente à sociedade. “Na Alemanha, é contra a constituição
as editoras mandarem do jeito que mandam no Brasil. Você não deve ter que pagar
para ter as informações, todos devem ter direito ao acesso à elas”, disparou
Ackermann.
Depois de Ackermann, uma apresentação fortemente institucional da
professora Sueli Mara Soares Pinto Ferreira, diretora técnica do Sistema
Integrado de Bibliotecas SIBi/USP.
Para encerrar o colóquio, o lançamento da plataforma de cultura
francofônica Culturethèque, com
Guillaume Favier, do Institut Français, ou a “biblioteca digital inovadora da diplomacia cultural francesa” e
suas funcionalidades e recursos online para estudantes de língua francesa ou
interessados na cultura de Victor Hugo e Montesquieu.
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