Liliana Serra |
Os e-books
invadem as prateleiras das livrarias virtuais e a vida real: estão preenchendo
as vidas de usuários de transportes públicos, amigos almoçando em quiosques nos
shopping centers e... em bibliotecas! Liliana Giusti Serra, bibliotecária e especialista
em Gerência de Sistemas pela FESPSP, defende que o bibliotecário deve se
familiarizar com a tecnologia antes de inserí-la em sua instituição. A
colunista do site Revolução
eBook e do Infohome
conversou sobre esta e outras questões na entrevista abaixo, gentilmente
concedida por email:
MC: Como o
bibliotecário se destacará na mediação da leitura com os e-books e e-readers em bibliotecas públicas, especificamente?
LILIANA: A primeira coisa que
deve ser feita é o bibliotecário se familiarizar com o suporte eletrônico. Não
é possível eu falar em e-books se eu
nunca experimentei um. Tanto faz realizar a leitura em um computador, e-reader, tablet ou smartphone, o
bibliotecário precisa primeiro capacitar-se para utilizar um e-book para então poder auxiliar seus
usuários na experiência da leitura digital. O recurso apresenta diversas
aplicações, sobretudo ao público estudante, com livros com conteúdo multimida,
interativos etc. Não basta simplesmente adquirir dispositivos móveis, incluir
títulos aleatórios e emprestar os aparelhos. Isso não é política de e-books! É necessário um trabalho de
curadoria digital para selecionar as obras, a tecnologia que será utilizada e a
capacitação que será dada primeiramente à equipe da biblioteca e depois aos
usuários para que eles possam ter boas experiências de leitura digital,
utilizando e explorando o que o recurso tem a oferecer.
MC: E a questão dos direitos autorais em
publicações digitais, como afetará os serviços das unidades de informação em
geral?
LILIANA: Os direitos autorais
do conteúdo digital devem ser protegidos da mesma forma que ocorre com os
suportes físicos. O material que é protegido por copyright deve ser respeitado e a biblioteca não deve estimular que
cópias e distribuições não autorizadas sejam realizadas de itens pertencentes
aos acervos. Da mesma forma que a biblioteca não permite que sejam feitas
cópias de livros, o mesmo deve ocorrer com os e-books. Em relação ao conteúdo institucional e acadêmico, o
cuidado está em registrar autorização dos autores (creative commons, por exemplo) para resguardar a biblioteca de
eventuais questionamentos. Apenas inclua em repositório documentos em domínio
publico ou aqueles que tem permissão por escrito de seus responsáveis
intelectuais. O material licenciado deve ser disposto ao usuário de acordo com
a contratação que foi realizada, sob pena de infringir a lei. Inclusive a
conversão de arquivos para formatos digitais ou para formatos mais novos pode
caracterizar violação das leis de direitos autorais. A legislação mundial foi
criada em uma época analógica e necessita de ajustes com os suportes, sua
utilização e distribuição. Isto tem sido feito, porém é um processo moroso.
Este tem sido um dos maiores entraves dos projetos de implantação de
bibliotecas digitais.
MC: Alguma tendência mundial no uso de e-books que mereça nossa atenção?
LILIANA: A inclusão de e-books
em bibliotecas já ocorre há bastante tempo, principalmente nos Estados Unidos,
nas bibliotecas universitárias. Problemas foram observados com a entrada destes
suportes em bibliotecas públicas decorrentes de restrições de fornecedores. A
ALA (American Library Association)
vem negociando com as editoras condições mais favoráveis para que as
bibliotecas públicas possam adquirir e-books
e ofertá-los aos usuários. Estas ações beneficiarão todos os tipos de bibliotecas,
conquistando melhores condições de aquisição e acesso. Na Europa, as discussões
também estão em curso, porém não tão avançadas como nos EUA. A campanha E-books in libraries, comandada pela
EBLIDA, publicou recentemente o documento The
right to e-read: an e-book policy for libraries in Europe (O direito de ler
digitalmente: uma política de e-books em bibliotecas da Europa) onde aponta as
dificuldades enfrentadas, as questões de direitos autorais, a resistência dos
fornecedores em vender e-books às
bibliotecas, os impactos no controle das obras pertencentes aos acervos, etc.
Aqui no Brasil as discussões ainda são incipientes, com o mercado tomando
contato com estes recursos. Ainda temos poucos títulos em português, assim como
poucos fornecedores.
MC: A relação bibliotecários-editores pode
ser revista a partir de novos negócios com os e-books e conteúdos digitais em geral?
LILIANA: A relação das
bibliotecas com editores, distribuidores, fornecedores em geral será
completamente alterada com os e-books,
a começar que a biblioteca não é mais a proprietária de uma obra, mas detém uma
licença de uso. De acordo com a aquisição que foi feita, esta licença deve ser
renovada periodicamente. O objeto digital não fica necessariamente sob a guarda
da biblioteca e seu acesso é realizado mediante plataforma proprietária. Se não
bastasse, o bibliotecário perde autonomia na curadoria do acervo, assim como o
controle das obras que farão parte da coleção. O mercado está em transformação
e o bibliotecário precisa estar atento para negociar as melhores condições para
adquirir e-books, além de ter ciência
dos impactos que o suporte está causando nas relações com os fornecedores.
MC: Na gestão de bibliotecas, qual o
impacto que os e-books trarão?
Teremos novos serviços de empréstimo, novos critérios de aquisição, de
descarte, etc?
LILIANA: O mercado de e-books não está estabelecido. Existem
atualmente diversos modelos de negócios para utilização de e-books em bibliotecas e em nenhum deles a biblioteca tem pleno
domínio. Aqui no Brasil observamos a predominância de dois modelos, mas existem
diversos outros. Se forem computadas as alternativas que cada modelo pode
apresentar, este número se multiplica. As atividades bibliotecárias serão muito
impactadas com a inclusão dos e-books
aos acervos. Os bibliotecários precisam negociar melhores condições com os
fornecedores, afinal a biblioteca é um elo importante da
cadeia do e-book. Enxergo que as
áreas mais influenciadas pelos e-books
são aquisição, desenvolvimento de coleções, acesso e sistemas. Com a
contratação de diversos fornecedores, o bibliotecário deverá ter uma atividade
de gestão maior, analisando a existência de obras concorrentes, ROI, curadoria
do acervo, seleção de obras, inclusão e padrão de qualidade dos metadados nos
OPACs, utilização do espaço físico que antes era ocupado pelas estantes,
capacitação da equipe e dos usuários para utilização dos dispositivos móveis de
leitura etc. O controle orçamentário será mais rigoroso pois, dependendo do que
foi contratado, o investimento para manutenção dos acervos será constante,
renovando assinaturas, licenças de uso, utilização de plataformas etc. A forma
de acesso aos e-books também deve ser
observada. A possibilidade de permitir acesso monousuário ou simultâneo altera
o valor de aquisição ou assinatura, comprometendo o orçamento. Na parte dos
sistemas, eles devem permitir a gestão dos metadados e o empréstimo digital (e-lending), de forma a atender ao
usuário de acordo com cada modalidade contratada. São muitos desafios aos
bibliotecários! Se considerarmos as mudanças que estão vindo com o RDA, o
volume de fontes e dados existentes, podemos dizer que o mercado bibliotecário
está em um momento de forte transição, com a alteração de atividades que eram
tradicionais e estabelecidas. É o momento do bibliotecário repensar sua função
na biblioteca, como um gestor de informação e posicionar-se como tal.
Leia as colunas de Liliana
Serra no Revolução
eBook:
Mestranda
no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação na Escola de Comunicações
e Artes na Universidade de São Paulo (ECA/USP). Especialista em Gerência de
Sistemas (2008) pela Fundação Escola Sociologia e Política de São Paulo
(FaBCI/FESP) e graduação em Biblioteconomia (1992) pela mesma instituição.
Profissional da informação da Prima, desenvolvedora dos sistemas SophiA
Biblioteca e SophiA Acervo. Consultora em Ciência da Informação. Tem experiência
na área de Ciência da Informação, com ênfase em automação, migração de
registros bibliográficos, gestão de acervos, gerenciamento de documentação
eletrônica, planejamento de bibliotecas digitais, conteúdos digitais, e-books e
metadados.
Para saber mais:
Liliana Serra estará ministrando o curso "Impactos de e-books em bibliotecas", em parceria da Paloma Altran e a FESPSP, no dia 19 de outubro, com inscrições abertas.
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