Confiram
mais uma matéria da coluna: Música e
Livros, em que o ex-aluno e monitor voluntário Bruno de Carvalho traz a entrevista com o vocalista João Vicente da Banda 5 Generais de Brasília, nessa coluna que mescla a relação das
bandas de rock com o universo dos livros.
João ( vocalista) e Mozart ( baixista) |
1) Quando você decidiu ser músico? Tocou em outras bandas antes do 5 Generais? Porque se mudou para Brasília?
Nasci
com a revolução, em 1964 (por isso meu nome, homenagem ao filho de Jango). Vim
pra Brasília em 1969. Filho de
funcionário do Ministério da Fazenda e neto do inspetor de saúde do Aeroporto
de Brasília desde sua inauguração, acabamos nos mudando definitivamente em
1969. Me considero candango, apesar de nascido no Rio.
Nunca
pensei em ser músico. Trabalhava no Serpro quando um rapaz entrou no meu setor.
Era o Marco, um dos produtores do histórico teatro Rolla Pedra, onde Plebe e
Legião deram seus primeiros passos. Ele tinha recém dissolvido sua banda Espaçonave
Guerrilha e estava montando outra e me chamou, sabe-se lá porque, para cantar
nela. Aceitei o desafio e montamos a banda em 1985.
2) De onde veio a ideia do nome da banda
, 5 Generais?
Já
ensaiávamos com músicas herdadas do Espaçonave Guerrilha, mudando bastante o
arranjo, para algo menos punk.
O
nome é uma referência aos 5 Generais da ditadura militar. Eu havia sido preso (no grupo que ficou
conhecido como os "últimos presos da ditadura"), na época da luta
pelas Diretas Já. Iniciamos como uma banda punk/New Wave.. mas aos poucos fomos
migrando para uma coisa mais lenta, filosófica, não voltada para o momento
político, mas para os problemas e alegrias existenciais de um jovem da década
de 1980.
3) Qual a influência literária nas
letras da banda 5 Generais? Quando a banda começou?
No
começo, eu não escrevia nada. As letras eram punks mesmo, sem referências, a
não ser na vontade de protestar contra tudo. Letras como "Levante da cadeira
e desligue este botão" ou "Andando pelas ruas da cidade como que
procurando uma identidade" eram baseadas mais no movimento punk e na
cidade de Brasília, ampla, sem nada para fazer, cidade ainda pequena. Com a
mudança de postura da banda, buscávamos um som mais gótico, influenciado por
bandas como Cure e Siouxsie e em músicos clássicos como Bach e Albinoni. As
letras passaram a refletir essa busca por problemas existenciais da juventude
local, tristeza, solidão, brigas com as namoradas, mágoas. Comecei também a
escrever letras como as de Pássaros Negros (que fala da juventude que se vestia
de preto e frequentava o famoso centro comercial Gilbertinho, em Brasília. Povo
de bandas, de teatro, fotógrafos, cineastas, ...) ou A Última Gota (sobre
ejaculação precoce: "e não chega até você a minha última gota") ou
Ouça-me, uma crítica a deus.
Tínhamos
alguns colaboradores letristas que nos emprestavam suas letras que tinham tema
similar. Bernardo Mueller (Escola de Escândalo) nos presenteou com Nas Linhas
("cada linha do teu rosto conta uma história triste") e Paulo Kauim,
poeta da cidade com Naufrágio. A banda fez seu primeiro show no final de 1985.
Eu fiquei nela até 1987, mas a banda durou ainda mais uns 10 meses com outro
vocalista.
4) Há uma música sua que fala de algum
livro? Ou alguma música que tem trecho de livros?
Eu
era viciado em livros. Ainda sou. Muitos me influenciaram como pessoa,
especialmente os autores latino americanos, notadamente Gabriel Garcia Marques,
Eduardo Galeano e Vargas Llosa. Mas um autor que marcou demais essa nossa
mudança de rumo foi Caio Fernando Abreu. Após ler Morangos Mofados e
especialmente Triângulo das Águas tomei a decisão de passar a ser o letrista da
banda. Se você visse meu livro Triângulo das Águas, veria dezenas de frases
sublinhadas, uma grande inspiração. Seguramente copiei algum trecho em alguma
música, mas não vou conseguir lembrar agora qual trecho.
Paulo
Kauim, letrista de Naufrágio, dizia que lia muito Rimbaud, Baudelaire e Poe
quando escreveu essa letra.
5) Como era o seu convívio com o pessoal
das outras bandas de Brasília nos anos 80? (Capital Inicial, Plebe Rude e
Legião Urbana), Renato Russo, Dinho Ouro Preto, etc..., viu shows dessas
bandas? Do Aborto Elétrico e Blitx 64 também?
Eu
já sou da segunda geração desse rock pós punk de Brasília. Frequentava shows de
longe, tímido que era. Ao entrar pra banda 5 Generais, passei a fazer parte
dessa turma, mas Legião, Plebe e Capital já estavam fora de Brasília gravando.
Assisti ainda a alguns shows pequenos dessas bandas antes do boom delas. Mas as
bandas que a gente compartilhava shows eram já dessa segunda geração ou bandas
que não haviam saído de Brasília: Finis Africae, Escola de Escândalo, Detrito
Federal, Elite Sofisticada, Falange do Medo ou Arte no Escuro, da Marielle Loyola
que gravou comigo Outro Trago, maior sucesso dos 5 Generais, para o disco
Rumores 2.
6) Quais as melhores lembranças dessa
época?
Só
tenho "melhores" lembranças dessa época. Os amigos, as meninas lindas
de cabelinhos curtos, os encontros semanais no Gilbertinho e no Rádio Center
(edifício onde a maioria das bandas ensaiavam) e os bate papos que viravam a
noite com gente que guardo enorme respeito. A busca por conhecimento,
especialmente de bandas inglesas (lembrem que não existia internet e qualquer informação
levava meses para chegar, e quando chegava algo, corríamos para compartilhar em
fitas K7 ou mostrando revistas importadas por alguém que chegara da Europa).
Além
disso, há que se lembrar de que vivíamos o final do regime ditatorial e, não dá
pra esquecer de citar as lutas em campo aberto contra a cavalaria e bombas do
general Newton Cruz. Fiquei um dia preso na UnB encurralado dentro do
restaurante universitário e depois preso na Polícia Federal por "buzinar o
carro em frente usando adesivo do PT no peito". Coisas impensáveis hoje em
dia.
7- Ainda toca em banda atualmente?
Depois
que saí da banda, comecei uma longa carreira amadora de dj. Recentemente, com
esses revivals dos anos 80, surgiram muitos convites para shows e cantei duas
vezes com o 5 Generais e uma com o Escola de Escândalo em 2016. Entre 2005 e
2007 fui vocalista também de duas divertidíssimas bandas que faziam covers dos
anos 80 (Banda Oitenta) e dos anos 90 (Tecnotronicos). Tocávamos em casas
noturnas da cidade.
8- Deixe uma mensagem, para os leitores
do blog, fale o que quiser...
Bom,
basicamente agradeço pelo convite de relembrar um pouco da época de ouro do
rock de Brasília. Comento que, se querem conhecer mais da cidade e da noite,
festas, casas de shows, bandas e djs da cidade, entrem no grupo que administro
no Facebook: facebook.com/groups/bsbnight/
Quanto
à leitura, tenho há vários anos me dedicado a livros históricos ou biográficos.
A vida real tem histórias geniais e o Brasil produziu grandes biógrafos como
Fernando Moraes ou Ruy Castro. Agora vou tomar um tempo para ler todo este blog
que tem também histórias deliciosas sobre o rock no Brasil. Obrigado.
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