Os tipos de usuário-leitor e os processos de mediação como compromisso do profissional da informação
Para melhor atender a seus usuários, o profissional de informação também deve ser sensível às características dos estágios mentais do seu leitor-usuário. Samuel Frison explica no artigo abaixo como identificar variados tipos de leitores para prestar um atendimento mais eficiente:
Muito se tem discutido sobre as transformações ocorridas nos suportes de
leitura, incluindo a transformação das bibliotecas e o questionamento de sua
função enquanto prestadora de serviços de caráter cultural e educacional. De
todas as teses defendidas até o momento sobre o futuro dos livros e das
bibliotecas, fico com a professada por Robert Darnton, em A Questão dos
Livros (2009, p. 16): “bibliotecas sempre foram e sempre
serão centros do saber. Sua posição central no mundo do saber as torna ideais
para mediar os modos impressos e digital de comunicação. Livros também podem
acomodar os dois modos. Impressos em papel ou armazenados em servidores, eles
corporificam o saber, e sua autoridade deriva de algo que excede a mera
tecnologia.” A partir do professado pelo
historiador, fica a interrogação: como os bibliotecários devem ser preparar
para atender os diferentes tipos de usuários? A resposta mais evidente para
essa questão é a de que todos os tipos de usuários devem ser atendidos pelo
bibliotecário. No entanto, no painel de tantas mudanças e coexistências, há de
se projetar a identificação do comportamento do leitor para a excelência do seu
atendimento, tendo em vista assim conhecê-lo enquanto perfil cognitivo.
Sendo o usuário um
leitor, agregam-se a esse ensaio os trabalhos desenvolvidos por vários
semioticistas que buscaram através da cognição mapear os estágios mentais do
leitor-usuário, identificando seus comportamentos diante de obras documentais e
livros considerando seus respectivos suportes. Lúcia Santaella, em seu livro
Navegar no Cyberespaço – o perfil cognitivo do leitor imersivo (2007) traça
importante configuração para entender o comportamento dos leitores em sua
interação com a informação-conhecimento. Ela os caracteriza em três tipos: o
contemplativo, o movente e o imersivo. A seguir, o detalhamento de cada um e
sua importância para a execução de um trabalho em biblioteconomia que não
exclua qualquer forma de seleção, catalogação, preparo e disposição, sejam elas
físicas ou virtuais por parte de seu agente, o bibliotecário.
O leitor contemplativo
é aquele que apresenta comportamento meditativo, capaz de se debruçar por horas
diante de um livro de palavras fixas. É o leitor da história, da literatura,
das ciências naturais, enfim o professor, o pesquisador, o intelectual, que
trabalha com informações precisas, narrativas contínuas que se contiguam e
interdependem. Seus olhos passeiam pelas linhas do livro em sentido atento,
progressivo, cada parte faz com a sua anterior uma sequência de entendimentos e
configurações, dando sentido ao ato da leitura como em entendimento, prazer,
compromisso.
O segundo tipo
identificado é o movente, leitor que surge a partir da Revolução Industrial e
da migração dos campos para o surgimento das grandes cidades como grandes
centros da cultura e da modernidade. Ele é movente porque pode absorver
diferentes signos. Ele não lê apenas palavras, mas procura o deciframento de
imagens, fotografias, filmes que podem ou não complementar as palavras. Absorve
tudo que a metrópole tem a oferecer por isso imagens e palavras se configuram
como desafio para sua compreensão. Nesse contexto surge a leitura de
profissionais como os jornalistas, publicitários, fotógrafos, cineastas,
artistas plásticos especializados, entre outros. Esses leitores-usuários
compreendem diferentes signos, “saltam” sobre imagens, sons e palavras com
desenvoltura em intersemioses.
Por fim temos o que
Santaella caracteriza como leitor imersivo. Ele se caracteriza a partir do
surgimento dos suportes tecnológicos mais elaborados, princi-palmente a web 2.0.
Os anos noventa e a virada do século XXI foram decisivos para a formação desse
leitor principalmente a partir da denominação “nativos digitais” em
contraposição aos “migrantes” que também podem ser imersivos, uma vez que se
adaptam. O que caracteriza esse leitor é a possibilidade pelo suporte da tela
para abrir variadas abas e assim ler simultaneamente tudo ao mesmo tempo. Pela
internet pode acessar e abrir sítios, obter a informação de forma rápida, não
menos precisa. No entanto, sua capacidade para memória de longo prazo é frágil
diante da quantidade de informações que recebe em tempo mínimo. Não há uma
leitura verticalizada ou especializada, mas sim imersiva, horizontalizada,
veloz pela possibilidade de acessar inúmeras fontes simultâneas que passeiam
pela tela.
A importância dessa
caracterização para os bibliotecários é a premissa de que nenhum dos tipos de
usuários-leitores deve ser desprezado, bem como sua forma de acesso a
informação e conhecimento. Necessita-se assim apropriar-se de qualquer ferramenta
de busca, tendo em vista o objeto ou forma de recuperação pretendida pelo
usuário em suas características por excelência. Por isso o passado das práticas
em biblioteconomia não deve ser desprezado, nem o futuro minimizado porque o
que tempos no presente é a coexistência de todos os tipos de usuários em
suportes variados. Uma questão importante acrescentada por Santaella é que
esses perfis não se opõem, pelo contrário, se complementam pelos chamados
migrantes digitais. Num único usuário pode-se ter os três tipos de leitores
simultaneamente: o contemplativo, o movente e o imersivo. Para os
bibliotecários é importante conhecê-los e superar o paradigma de que nossa
função termina com o processamento técnico. Há um além a oferecer na mediação
entre o que se deseja e o disponível. Essa mediação é um passo decisivo para
que sejamos reconhecidos como profissionais da informação pela comunidade de
usuários-leitores.
O Brasil é um país
carente em termos de acesso ao letramento. Somos embotados diariamente por
imagens e outros signos. No entanto a tecnologia ainda é restrita e custa caro
se comparada aos padrões internacionais. Ainda não superamos nossos altos
índices de analfabetismo. Diferente de outros países, o Brasil precisa de
mediadores para contribuir com a disseminação, tanto da informação, quanto da
diversidade cultural. A biblioteca é um lugar ainda a ser descoberto e o
bibliotecário tem muito a contribuir nesse processo. Falar em uma realidade é
quase impossível. Por isso melhor falar em “realidades”. Essa pluralidade exige
desde a ficha catalográfica até a compreensão de um sistema operacional
complexo. Chartier (1988, p. 153) elaborou com muita lucidez a epifania de
nossos tempos: “A biblioteca eletrônica sem muros é uma promessa do futuro, mas
a biblioteca material, na sua função de preservação das formas sucessivas da
cultura escrita, tem ela também, um futuro necessário.”
Referências
Bibliográficas
CHARTIER, Roger. A aventura do
livro do leitor ao navegador. São Paulo: Unesp, 1988.
DARNTON, Robert. A questão dos
livros – Passado, presente e futuro. São Paulo: Cia das Letras, 2010.
SANTAELLA, Lúcia. Navegar no
ciberespaço – O perfil cognitivo do leitor imersivo. 2ª ed. São Paulo:
Paulus, 2007.
Samuel Frison é aluno do 1º Semestre Matutino do Curso de Biblioteconomia e
Ciências da Informação da Fesp-SP. Mestre em Letras pela UFRGS e Doutorando em
Literaturas de Língua Portuguesa pela UFRGS.
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