Parece que o domínio dos livreiros e editores
nos acalorados debates sobre a invasão de tablets e e-readers têm colocado os
bibliotecários de lado para expressarem seus pontos de vista. Alardeados como a
panaceia para diversos problemas estruturais da educação e da cultura
brasileira e mundial, estes pequenos computadores vêm se misturando aos livros
e cadernos de alunos e professores, mas ainda não transformou não-leitores em
leitores.
O
governo acabou de comprar 600 mil tablets para professores da rede pública no
momento em que foi divulgada uma pesquisa*(1) que revela que 34% professores da rede
pública que responderam ao questionário socioeconomico da Prova Brasil 2011
nunca, ou quase nunca, leem.
A diretora executiva do movimento Todos pela
educação, Priscilla Cruz, afirma que o livro
digital pode ser, sim, uma alternativa para que se motive mais a leitura. Ora,
sabemos que o livro digital pode ser acessado por sites como o domíniopublico.com,
com disponibilização gratuita, comprado para e-readers ou tablets, ou baixado
em formato pdf. O suporte, portanto, vai desde o computador já existente no
laboratório da escola a uma escolha de aquisição de um produto
eletrônico-portátil.
Estas notícias, mais uma vez, trazem à tona a
pergunta que muitos querem alimentar: o tablet vai aposentar o livro de papel?
Carlo Carrenho e Sérgio Herz |
Esta discussão incansável foi retomada na
versão Brasil da Campus Party em fevereiro deste ano. A Monitoria assistiu ao streaming
(de qualidade muito ruim, diga-se de passagem) disponível no canal do evento no You Tube*(2) na vã
esperança de enriquecer este debate. O que se pode observar de consenso é que a
leitura no meio digital é mais lenta e menos confortável que a leitura em papel
e o custo e a capacitação são empeditivos para a difusão destes pequenos
milagres eletrônico-portáteis. Na #CPBR6, cada representante de um poder econômico puxou a
sardinha para o seu lado: livrarias, para os e-books; editores, para os
tablets. Na mesa de discussão, Diogo
Sponchiato, editor da Revista Galileu, mediou o embate entre outros peixes
grandes: Sergio Herz (CEO da Livraria Cultura), Professor Hubert Alquerés
(vice-presidente de Comunicação da Câmara Brasileira do Livro), Carlo Carrenho
(profissional do mercado editorial, com 18 anos de experiência). Também
participou da mesa o diretor da Biblioteca on-line Nuvem de Livros e Diretor de
Relações Institucionais do Grupo Gol, Roberto Bahiense.
Falas de marketeiros à parte, o empenho do
publicitário Roberto Bahiense em fazer uso de bandeiras caras ao incentivo à
leitura para vender o serviço pago de “biblioteca na nuvem” foi, no mínimo,
constrangedor. A ideia de um serviço de “biblioteca” pago pode ser polêmica, e
revestido de “tecnológico”, fica ainda mais grave. Não que ele não deva
existir, pois a biblioteca do British Council, no bairro de Pinheiros, em São
Paulo, cobra anuidade para retirada de seus livros há anos. Uma política
europeia.
É bom
que se faça o adendo: a Nuvem de Livros é uma iniciativa da companhia Vivo
Telecomunicações para seus clientes e lançou o serviço em agosto de 2012, com
acesso gratuito. A partir de outubro, o
acesso passou a ser cobrado: R$ 1,99 por mês,
e hoje o publicitário nos conta que o acesso é ilimitado para ler os
“clássicos” e os “novíssimos” e isso a torna “ um efetivo instrumento de democratização de acesso ao
conhecimento”. Bahiense bateu
forte na tecla da preocupação da Nuvem
de Livros com a “disseminação do conhecimento”. Para quem tem estômago forte
para troca de gentilezas na área comercial, vale a pena assistir à mesa da
Campus Party. (acesse em http://www.youtube.com/watch?v=DOGSQBmYU0c)
E qual é o papel da
biblioteca e da ciência da informação neste embate? Pois, se agora um serviço pago é um “efetivo”, e este
adjetivo deve ser frisado, “instrumento
de democratização de acesso ao conhecimento”, a biblioteca, especialmente a
pública, abandonada e vilipendiada, deve
compartilhar esta sua função histórica com tubarões do poder econômico?
Para conhecer uma opinião especializada,
recomendamos o livro do linguista italiano Umberto Eco “Não contem com o fim do
livro”. Junto com o roteirista francês Jean Claude-Carriére, o pensador
apresenta uma bem embasada discussão sobre o fim do livro de papel, passando,
como seria de se esperar dos livros de Umberto Eco, por um panorama histórico
sobre o seu surgimento e produção.
Rose utiliza seu tablet durante as aulas |
Tablet aparece cada vez mais pelas salas de
aula da FESPSP
A aluna do 3º semestre noturno, Roselene
Medeiros, usuária de um tablet Samsung, acredita que ele representa um
complemento de estímulo à leitura, entretanto, jamais substiuirá o livro, pois
este é uma experiência única que aguça todos os sentidos: “a posse, a capa,
tocar nas páginas, ver e sentí-las... o cheiro até dá água na boca, pois muitos
até molham os dedos para passar as
páginas, na verdade, saboreando-as, degustando, até devorá-lo totalmente!". Por
outro lado, Rose pondera que “o tablet tem uma tecnologia dinâmica que
acompanha o ritmo da sociedade atual para a leitura rápida e informações
objetivas, mas o livro ainda proporciona algo mais rico, uma troca que remete
às lembranças do sensorial.”
Notas:
*(1)Pesquisa
feita pelo Qedu: Aprendizado em Foco, baseado nas respostas dadas aos
questionários socioeconômicos da Prova Brasil 2011, aplicados pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), e
divulgados em agosto de 2012, o levantamento do QEdu mostra que dos 225.348
professores que responderam à questão, 101.933 (45%) leem sempre ou quase
sempre, 46.748 (21%) o fazem eventualmente e 76.667 (34%), nunca ou quase
nunca.(
fonte: http://noticias.br.msn.com/verde/menos-da-metade-dos-professores-de-escolas-p%C3%BAblicas-leem-no-tempo-livre-1.
Acesso em 10 de fev. de 2013)
*(2)Principais falas dos participantes da mesa
“E-books à brasileira” na Campus Party Brasil 2013 no dia 30 de janeiro.
Roberto Bahiense se posicionou contra a
disseminação do livro digital através dos e-readers, ação das grandes livrarias
por que, a partir desta primeira venda, elas certamente vão fidelizar seu
público com outros produtos muito mais caros com tvs de plasma, motorhome, e
outros que tais. E isso não forma leitores, mas reforça o perfil consumista. Ao
contrário, Bahiense acredita que a Nuvem de Livros forma, sim, leitores. Ele
defende a oferta de livros na nuvem, ou seja, no terreno cibernético, à
disposição do leitor, como a Netflix faz com seus filmes. Além de ser mais
barato, ele mira o novo mercado consumidor brasileiro, a nova classe C.
A versatilidade do tablet pode fazer com que o
Brasil dê um salto tecnológico indo direto para este device por que ele permite
acessar livros, emails, fotografar, etc, é multifuncional.
As grandes livrarias, por sua vez,
legitimamente, lutam em campo aberto pelos e-readers.
O CEO da Livraria Cultura, Sergio Herz,
defendeu a portabilidade dos e-readers como seu maior benefício, pois com eles
pode-se levar uma biblioteca de até 1000 livros.
O professor Hubert colocou que os leitores
dedicados (e-readers) foram rapidamente adquiridos por leitores pesados, mas
que não são atraentes para o leitor típico brasileiro que lê, em média, 2
livros por ano. Para estes, o tablet, por motivos econômicos, será um melhor
investimento. Porém, as livrarias podem (e fazem) uso de marketing dos
e-readers em suas lojas para atrair o consumidor familiar com estas
plataformas. Ele também acredita que, ao invés de e-books e tablets, o que é
determinante para o Brasil se tornar um país leitor (respondendo à pergunta de
uma ouvinte na plateia) é a presença de
pai e mãe. “O que é mais determinante para criar um país de leitores é pai e
mães. Quem gosta de ler é filho de quem gosta de ler”. Ele pontua que tem um
papel social da educação e do governo e um papel familiar, além de ser uma questão
de cultura também.
Carlo Carrenho apontou que o o que ainda não
está bem resolvido é a questão do livro didático digital e a capacitação dos
professores. E com razão: o livro didático representa hoje metade do mercado
editorial brasileiro. Esta fascinante tecnologia é muito nova e traz consigo o
problema econômico da aquisição.
Texto: Magali Machado
Imagem da aluna Roselene: Magali Machado
Imagem da discussão na Campus Party:http://i3.ytimg.com/vi/DOGSQBmYU0c/hqdefault.jpg
Luiza, o Bahiense pareceu se comportar como o legítimo garoto propaganda da Nuvem de Livros. O ponto de discussão que podemos levantar é que ele emprestou conceitos comumente típicos da fala da biblioteca pública para vender esse projeto da VIVO. O que sobrará para a biblioteca pública se até o seu discurso está sendo lhe subtraído?
ResponderExcluirObrigada pela sua mensagem, continue participando.
Excelente relato! Deixaremos de emprestar livros uns aos outros? Deixaremos de dar livros de presente? Eu náo tenho dúvidas sobre o fim do livro físico no médio/longo prazo. Basta olharmos para trás. Difícil de aceitar, mas não difícil de imaginar.
ResponderExcluirMais dois ou 3 anos, nosso mercado editorial será completamente diferente. As editoras pequenas sumirão ou serão compradas e as livrarias não terão mais tantos espaços para prateleiras e sim estaçoes de leituras para tablets..esses evoluirão e se tornarão muito agradáveis e quem sabe até com cheiro de livro...rs
Os editores estão desesperados, pois a absurda margem de lucro desaparecerá e o preço do ebook caíra muito (Amazon já está no Brasil e é pioneira nesse modelo de negócio digital ) e os leitores aumentarão muito, pois o acesso ao conteúdo vai com ele onde quer que ele vá....leiam a Cauda longa de Chris Anderson para entender como se dará essa disseminaçao da leitura. http://books.google.com.br/books/about/A_Cauda_Longa.html?hl=pt-BR&id=Azimn30tFbUC