Coluna - Admiráveis Bibliotecas Comunitárias: o senso-crítico dos líderes comunitários. Por Sidnei Rodrigues de Andrade.
Biblioteca Comunitária BECEI Paraisópolis – Abril/2017 (*)
Saudações, Profissionais da Informação!
E aqui está mais uma Biblioteca Comunitária,
vamos conhecer e aprender sobre esta Unidade de Informação Social que faz a
diferença neste contexto contemporâneo.
A segunda reportagem deste ano é sobre uma
Unidade de Informação Social que é muito conhecida no bairro do Morumbi e Paraisópolis
na Zona Sul da Cidade de São Paulo: Biblioteca Comunitária BECEI Paraisópolis. Fiz a visita presencial no dia 22 de Abril (Dia do Descobrimento do Brasil, há muitos
assuntos que devemos relembrar e refletir sobre esta data comemorativa) –
Sábado às 13h00, para conversar com seus principais articuladores e gestores.
Para àqueles que não conheciam esta
coluna, a entrevista contém perguntas-temáticas e as respostas com as
interpretações parafraseadas pelo autor da coluna, com base nas reflexões e
senso-crítico dos articuladores e gestores da biblioteca comunitária visitada.
Segue a entrevista feita com o gestor e
fundador da Biblioteca Comunitária BECEI Paraisópolis Alle Cabral:
1-) O que é a Biblioteca Comunitária BECEI Paraisópolis?
É uma instituição sem fins lucrativos
com característica social que foi transformada em um ponto de cultura na
comunidade. O significado da sigla BECEI é Biblioteca,
Crescimento, Educação, Infantil. Somos um grupo de representantes da
comunidade, cuja maior preocupação é compartilhar nossa experiência educacional
e emocional.
2-) Contextualize esta Biblioteca
Comunitária?
Sou morador da
comunidade e sempre gostei de ler, percebi que não havia nenhuma biblioteca no
bairro, então em 3 de Setembro de 1995 tive a iniciativa de implantar uma
Biblioteca Comunitária. A primeira parte desta Unidade de Informação Social foi
em minha casa, com um acervo de 15 livros num espaço de 16 m quadrados, o que
era muito pequeno. A partir deste ato de compartilhar conhecimento, apareceram
30 pessoas da comunidade para se utilizarem dos livros.
O primeiro
nome desta Biblioteca Comunitária foi: Biblioteca
Escola, Crescimento, Educação e Infantil.
Minha mãe
trabalha como empregada doméstica e sua patroa leciona em algumas escolas. Ganhei
um carimbo da minha mãe, por meio de sua patroa, e neste carimbo continha as
iniciais BECEI, então batizamos a biblioteca de Biblioteca Comunitária BECEI
de Paraisópolis.
A comunidade se interessou por nossa iniciativa de
compartilhar livros, e então algumas pessoas tiveram a atitude de doar livros
também. Com 1 ano de funcionamento, chegamos a ter 300 livros aproximadamente e
alcançamos o reconhecimento através do jornal O Estado de São Paulo na
coluna Zap, com a divulgação da
reportagem sobre uma biblioteca em favela na cidade de São Paulo.
A jornalista-repórter
observou que era um local muito simples e humilde, mas admirou a organização
dos livros nas estantes.
Em 1996, esta
reportagem foi divulgada para toda a sociedade civil brasileira e chamou à
atenção da emissora de televisão SBT em seu programa jornalístico, apresentado
pelo jornalista Boris Casoy, que fez uma entrevista comigo.
A partir desta
matéria que foi vinculada pelos meios de comunicação tendo a intervenção da
televisão, outras emissoras (até internacionais), vieram falar comigo sobre a
biblioteca comunitária, por exemplo, para saber como é uma biblioteca
comunitária em uma favela. A primeira emissora de televisão internacional foi a
CNN e queriam saber sobre esta atitude social e educacional, nesta
oportunidade ganhamos nosso primeiro prêmio de reconhecimento pela Fundação
Nestlé por incentivo à leitura, fomos ao Rio de Janeiro para recebê-lo na Fundação
Biblioteca Nacional.
O acervo da
biblioteca estava em desenvolvimento num espaço de 16 m quadrados, para
realizar os empréstimos dos livros, tínhamos apenas uma máquina de escrever,
sendo assim, precisávamos de equipamentos mais modernos para melhorar o atendimento
à comunidade. Apareceu entre os freqüentadores da biblioteca comunitária, uma
senhora representante de uma instituição de comunicação, não quis se
identificar e apresentou-se apenas pelo primeiro nome e disse que queria
conhecer nossa biblioteca. Perguntou-me o que estava precisando naquele momento,
e eu lhe disse que necessitava de dois microcomputadores, pelo nosso diálogo e
sua observação das estantes de livros, doou os dois computadores e ainda uma
quantia financeira.
Alguns indivíduos da periferia têm um preconceito em aceitar
ajuda das pessoas, por que não houve uma formação educacional e afetiva
totalmente sólida, isso faz muita falta em algumas famílias brasileiras na contemporaneidade.
Todas as
emissoras de televisão sabiam desta biblioteca comunitária, apenas uma renomada
na sociedade civil brasileira, não tinha conhecimento sobre este trabalho.
Também
surgiram grandes personalidades da Literatura Brasileira, por exemplo,
Gilberto Dimenstein e Ignácio de Loyola Brandão que visitaram nossa
biblioteca. Ignácio escreveu um texto em homenagem à biblioteca e Gilberto
ficou emocionado em ver uma criança lendo seu livro naquele local. Fomos premiados com 18 troféus de
reconhecimento por esta atitude de incentivo à leitura por várias ONGs e
Instituições Culturais do Brasil e Internacionais.
Em 1997, o
gestor municipal da época me convidou para um jantar e na conversa, perguntou
se aceitava mudar a nossa biblioteca comunitária de local, disse naquele
momento que não, preferia ficar com minha comunidade. Alguns representantes da
política brasileira não gostam de pobre por que quando temos acesso à
educação e ao conhecimento, temos uma percepção diferente sobre o que estão
fazendo realmente por todos nós.
Algumas
escolas particulares do bairro vieram conhecer a biblioteca, o objetivo desta
visita era unir as crianças bem financeiramente com outras crianças menos
favorecidas, por meio do hábito da leitura. Em um determinado momento, por
problemas financeiros, teríamos que fechar a biblioteca comunitária, entretanto
os representantes das instituições escolares privadas através das crianças
fizeram uma campanha de arrecadação, a chamada“vaquinha”.
Em 1998,
passamos novamente por dificuldades financeiras, mas tivemos ajuda de pessoas
que admiravam muito este trabalho de incentivo à leitura e a educação. Fizemos
uma festa de reinauguração e como a mídia brasileira sempre acompanhou nosso trabalho,
somos conhecidos por todos da sociedade.
3-) Quais foram as maiores dificuldades
da Biblioteca Comunitária BECEI Paraisópolis?
Considero como
a mais difícil aquela que todas as instituições e organizações brasileiras e
mundiais enfrentam todos os dias, que é a financeira. Chegamos a uma época
que não tínhamos condições para continuar a gestão-administrativa da biblioteca
comunitária. As dívidas foram aumentando, pensei várias vezes em fechar
completamente. Fiz então uma campanha de divulgação no Facebook para arrecadar
fundos, e por meio deste simples ato, em pouco tempo foram surgindo pessoas com
doações.
Em 2013,
participei de um programa de televisão que tinha um quadro que realizava os
sonhos das pessoas, nesta oportunidade uma grande empreendedora social assistiu
e soube da campanha no Facebook, a Lucia Helena Trajano, proprietária
do Magazine Luiza, que nos ajudou
muito com a infraestrutura da biblioteca.
Já em 2015,
não tínhamos dinheiro em caixa, pensei novamente em fechamento, mas procurei
algumas emissoras de televisão para fazer a campanha de divulgação da
biblioteca, houve muita ajuda da sociedade civil ainda mais por conta da novela
que estava sendo produzida aqui na comunidade.
4-) Como está a Educação Continuada dos gestores da
Biblioteca Comunitária?
A Educação Continuada dos
colaboradores está assim: Alle Cabral– Diretor-Fundador, graduando em
Comunicação Social; Marcia Aguiar graduanda em Psicologia e Assessoria de
Impressa; Marcio Aguiar – Diretor-Presidente do Instituto e graduando em
Jornalismo; Marcelo Rodrigues Romão – Conselho Fiscal e Diretor; Bruno Antônio
da Silva – Coordenador de Voluntários; Marta Silva – Contadora de Histórias e
graduanda em Pedagogia; João Pedro Simpons – Auxiliar de Biblioteca e Estudante
do Ensino Médio; Breno Sena – Auxiliar de Biblioteca e Estudante do Ensino
Médio e Vinicius de Moraes – Colaborador Voluntário e Estudante do Ensino
Médio.
![]() | |||
Fonte Banco de Imagens do Google. Ale Cabral– Diretor-Fundador. |
5-) Qual é a observação dos líderes comunitários sobre
a Biblioteconomia (Biblioteca Escolar, Biblioteca Pública e a Biblioteca Comunitária)
na Sociedade Brasileira Contemporânea?
Em
algumas instituições escolares públicas há ausência de Bibliotecas Escolares e
de bibliotecários, por que são apenas Salas de Leitura, que foge totalmente de
sua característica de Unidades de Informação Escolares. Entretanto, as
Instituições Escolares Privadas, têm excelentes Profissionais da Informação que
trabalham em conjunto com todos os colaboradores, autores sociais e a
comunidade, em prol de sua demanda social e educacional.
Já
as Bibliotecas Públicas em parcela bem menor, observamos que há um grave
problema de gestão-administrativa, isto é uma herança burocrática da
contextualização social-econômico da sociedade civil. Porém, há outras Unidades
de Informação Públicas que fazem um trabalho de disseminação seletiva dos itens
informacionais, perfeito e espetacular.
A
Biblioteca Comunitária tem um viés diferente, por exemplo, vamos mencionar
duas: Biblioteca Comunitária Caminhos da Leitura e a Biblioteca
Comunitária de Heliópolis, que vêm da comunidade local, há uma
identificação com as histórias de vida dos moradores. Sempre há uma preocupação
em planejar eventos culturais para as crianças e os jovens, no final do ano,
por exemplo, realizamos um Café na Manhã de Natal.
Esta
Unidade de Informação Social é um espaço de convivência humana e afetiva, onde
qualquer usuário pode ter acesso à Educação e ao Conhecimento por meio da
leitura. Isto é um cala boca aos representantes da política contemporânea
brasileira. Sabemos que esta gestão não vai dar oportunidade ao povo,
embora algumas livrarias importantes estivessem indo embora do Brasil, a
pergunta que não quer calar: como fica a cultura desta nação?
A
resposta aplicável para essa provocação cultural-educacional é esta: um interno
da Fundação Casa por um incentivo da palestra que fiz, montou uma biblioteca em
sua comunidade e conseguiu a aprovação da Lei Rouanet, e uma leitora da
biblioteca comunitária sempre estudando aqui conosco, se formou pela USP em
Letras.
6-) Qual a “imagem” que vocês têm do Bibliotecário?
Aqueles que não me conhecem
muito bem pensam que sou um “Bibliotecário”, mas me considero um Bibliófilo. Participei
de um evento organizado pelo empresário brasileiro Antônio Ermínio de Moraes
e conheci pessoalmente um grande ser humano apaixonado pelos livros: José Mindlin (Figura 7) que fez
questão de me cumprimentar por esta atitude.
Alguns
“profissionais da informação” passam a imagem de que se encontram apenas atrás
do balcão de atendimento. Talvez esta percepção ao longo do tempo, possa
desaparecer por meio do acesso aos itens informacionais, todos os atores
sociais e a comunidade, precisam se preocupar com a Educação deste país.
7-) Como está a Educação no Brasil neste Século XXI?
Não temos uma Educação
Brasileira em construção orgânica para todos, por que os alunos que vão à
escola estão mais preocupados em ter a presença, o corpo docente das
instituições escolares públicas está totalmente desmotivado para lecionar e alguns
têm uma excelente renumeração. A aprovação automática é um atraso para o desenvolvimento
da comunidade em aspectos emocionais e sociais. Restam apenas as instituições
escolares privadas que fazem um trabalho excelente de planejamento pedagógico
para seus estudantes e comunidade.
As crianças e os jovens não têm
hábito da pesquisa, desconhecem determinados conteúdos informacionais que possam
ser a realização pessoal e profissional, sua maior preocupação é passar para o próximo
ano letivo sem ao menos saber escrever e ler direito. Não há disciplina com
horários e prazo de entrega de trabalhos escolares, por isso que não entram no
competitivo Mercado de Trabalho. O “Assistencialismo” atrapalha muito o
desenvolvimento desta sociedade civil, temos
que ser pessoas engajadas e politizadas em prol de todos, sem um
monopólio de ideologia em assuntos econômicos, culturais e educacionais.
A formação familiar brasileira está
em fragmentos, em sua maioria por meio da liderança apenas das mulheres, que
incentivam os seus filhos a estudar.
O
indivíduo sempre tem o costume de colocar a culpa em alguém, não podemos
esquecer que somos um povo acomodado demais, somos NÓS os culpados, por este
sistema político e educacional está horrível para todos.
Este é o altíssimo preço que
pagamos por uma formação educacional sem ter a importância humana e afetiva.
8-) O que os líderes da
Biblioteca Comunitária pensam sobre o futuro das crianças e os jovens no
Brasil?
Vamos continuar acolhendo cada vez mais a nossa comunidade, por que os
jovens estão afastando-se do contexto educacional e social. A partir disso a
juventude brasileira contemporânea está perdida, ou seja, não sabem qual
caminho seguir na Escola da Vida.
Minha responsabilidade como um dos principais representantes da Biblioteca
Comunitária BECEI é apresentar uma proposta educacional e afetiva para as
crianças e jovens. Este espaço é excelente para que todos possamos aprender e
compartilhar experiências de engajamento e afeto para quaisquer demandas
culturais e sociais, assim aplicamos um diálogo universal, onde entram em cena
dois conceitos: o senso-crítico e a empatia.
Para maiores informações,
acessem estes links:
Entrevista com Gestor Alle
Cabral da Biblioteca Comunitária BECEI Paraisópolis no YouTube:
Página Oficial da Biblioteca
Comunitária BECEI Paraisópolis no Facebook:
Página Oficial do Instituto
BECEI no Facebook:
As duas Bibliotecas Comunitárias
que foram citadas pelo criador e gestor Alle Cabral, estão assim: a Biblioteca Caminhos da Leitura já
possui uma reportagem aqui na Monitoria Científica, para conferir acessem este
link:
A Biblioteca Comunitária de Heliópolis posteriormente pretendemos
fazer uma visita presencial, muitos BiblioAmigos
já me indicaram, em breve teremos esta reportagem, aguardem mais novidades!
Queria agradecer novamente ao Alle
Cabral pela recepção e por compartilhar sua história de vida que foi
sensacional. Por meio desta entrevista aprendi que Afeto e Educação sempre andam juntos. Agradeço por TODOS vocês
que estão lendo está coluna.
Até a próxima reportagem,
Abraços e Muito Obrigado.
(*) A matéria apresenta a opinião das pessoas
envolvidas.
Comentários
Postar um comentário