Elisa Machado |
Biblioteca Pública. É assim mesmo, com maiúsculas cheias de orgulho, que Elisa Machado se refere às milenares instituições. As 5.565 unidades identificadas no último Senso Nacional de Bibliotecas Públicas (2011) fazem parte do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, que Elisa coordenou recentemtente, junto com o Cadastro Nacional de Bibliotecas. Em entrevista gentilmente cedida ao blog da Monitoria Científica FaBCI-FESPSP, um pouco antes de deixar o cargo, Elisa conclamou os cursos de Biblioteconomia e Ciência da Informação a olharem com mais atenção para a Biblioteca Pública, trazendo o tema para debates e estimulando a pesquisa.
"Precisamos ampliar o número de profissionais que atuam em Bibliotecas Públicas", afirma Elisa, que compõe nosso perfil de Bibliotecário-gestor público. Acompanhe a entrevista:
"Precisamos ampliar o número de profissionais que atuam em Bibliotecas Públicas", afirma Elisa, que compõe nosso perfil de Bibliotecário-gestor público. Acompanhe a entrevista:
MC: Na sua função, frente ao Sistema
Nacional de Bibliotecas Públicas, como é sua rotina de gestão?
ELISA: O Sistema Nacional de Bibliotecas
Públicas (SNBP) está atualmente subordinado à Diretoria do Livro, Leitura,
Literatura e Bibliotecas (DLLLB), da Fundação Biblioteca Nacional (FBN). Tem
por objetivo ampliar e fortalecer as ações e serviços desenvolvidos pelas
bibliotecas públicas e comunitárias, com vistas à democratização do acesso à
leitura e à informação no Brasil.
As premissas básicas que permeiam os trabalhos
do gestor do SNBP são o diálogo, a transparência, a responsabilidade e o
estímulo ao controle social, dentro de um modelo de gestão integrado com as
Coordenadorias dos Sistemas Estaduais de Bibliotecas Públicas.
Fundamentalmente, a direção do SNBP trabalha
com políticas públicas e todas as suas ações tem por foco a construção de uma
cultura colaborativa, com vistas ao estabelecimento de diretrizes, marcos
legais e orientações para ampliar e qualificar os espaços e serviços oferecidos
por esse tipo biblioteca no país.
À direção do SNBP cabe administrar os
recursos públicos destinados à modernização e instalação de novas bibliotecas
públicas, assim como à capacitação de pessoal que atua nesses espaços. Isso
significa planejar e gerir o orçamento público da área, cuidando para que os
investimentos sejam realizados de forma igualitária, privilegiando as áreas e
populações que encontram-se em situação de maior vulnerabilidade em relação ao
acesso à informação e à leitura.
A rotina da direção do SNBP é pautada
também pelas articulações com os Estados e os Municípios, o que significa
contato direto e estabelecimento de relações de trabalho conjunto com gestores
públicos locais, sejam eles secretários de cultura, prefeitos, governadores, coordenadores de sistemas e/ou redes locais de bibliotecas, assim como
bibliotecários e profissionais que estão a frente das Bibliotecas Públicas e
comunitárias.
Outra atividade que é realizada pela
direção do SNBP é o fomento à pesquisa na área de bibliotecas públicas. Precisamos
ampliar o número de profissionais que atuam em Bibliotecas Públicas e, para
isso, é determinante que o SNBP incida positivamente junto às universidades e escolas de Biblioteconomia e Ciência da Informação, no sentido de colocar a Biblioteca Pública na pauta destas instituições. Precisamos de mais pesquisa e
mais projetos de extensão voltados para a temática das Bibliotecas Públicas
brasileiras.
As articulações com diferentes
instituições, públicas e privadas, nacionais e internacionais, da área do
livro, leitura e literatura, também fazem parte das rotinas da direção do
SNBP. Entendemos que é necessário somar
esforços e aproximar ações e projetos de qualidade que estão sendo liderados
por instituições, empresas, organizações da sociedade civil e cidadãos comuns.
Dirigir o Sistema Nacional de Bibliotecas
Públicas requer muita energia e comprometimento, pois o volume de trabalho é
grande e, como a maioria dos órgãos públicos, não possui estrutura
organizacional, infraestrutura tecnológica e equipe suficiente para atender às
inúmeras e diversificadas demandas que recebe.
Além disso, a burocracia no servico
público brasileiro é imensa, fazendo com
que grande parte do dia do gestor seja consumido na administração de processos,
contratos, convênios e em uma série de procedimentos administrativos. Nesse
contexto, um dos grandes desafios é lidar com a administração do órgão de
maneira eficiente e eficaz, sem perder o foco na articulação e no fomento ao
trabalho em rede.
MC: Quais são as competências para se
desenvolver bem essa gestão?
É importante esclarecer que este é um
cargo de gestor público que tem caráter comissionado e, por esse motivo, vai
além de um cargo técnico administrativo.
O cargo exige competências políticas, que
se traduzem em habilidades de comunicação, relacionamento e análise
estratégica. Nesse contexto, o gestor precisa dialogar com os diferentes atores
e líderes locais para interferir positivamente na realidade das Bibliotecas Públicas e comunitárias. Além disso, suas decisões são pautadas nas demandas
locais, portanto, deve levar em consideração, por exemplo, indicadores sociais,
econômicos, educacionais e culturais.
Exige também competências na área de
Biblioteconomia e Ciência da Informação, leitura e literatura o que envolve
habilidades específicas em áreas técnicas e normativas, tais como
desenvolvimento e tratamento de acervos, assim como em áreas relacionadas aos
serviços de referência e ação cultural.
Nesse sentido, considero imprescindível
que o gestor tenha conhecimento profundo da realidade das Bibliotecas Públicas
no Brasil e no mundo. Gosto sempre de lembrar que existem vários tipos de
bibliotecas e que cada uma delas tem as suas especificidades, portanto, é
importantísssimo conhecer a realidade destas instituições e dos atores que
atuam nesses espaços. Esse conhecimento dará melhores condições para que o
gestor público seja sensível às diferentes realidades que temos em nosso país.
As competências administrativas, voltadas
para a gestão participativa, são inerentes ao cargo de direção do SNBP. Um
sistema se suporta com base em uma gestão matricial que resulte em ações
efetivas, sistêmicas e intersetoriais. Assim como é inerente também o domínio
de diferentes ferramentas tecnológicas e de gestão. Diagnóstico, planejamento, monitoramento e
avaliação das ações desenvolvidas pela instituição, utilizando tecnologias de
informação e comunicação, fazem parte do dia a dia desse gestor.
MC: Como a produção acadêmica feita hoje
no mundo e no Brasil lhe auxilia na gestão? Há artigos, pesquisadores, revistas
de destaque?
A produção acadêmica é fundamental para
ampliarmos o conhecimento na área e melhorarmos as práticas cotidianas e, no
Brasil, atualmente a Biblioteca Pública carece de pesquisa e de produção
científica. Isso é extremamente prejudicial para nós, brasileiros, pois os
poucos profissionais que se formam em Biblioteconomia no país não tem
informação e conhecimento suficiente sobre o potencial transformador que é a Bibliotecas Públicas e, por conseguinte, não lutam para reverter a atual situação
das mesmas.
Já tivemos no Brasil bons momentos de
pesquisa e produção de conhecimento nessa área, no entanto, a partir dos anos
1990 tivemos uma queda brusca das pesquisas sobre o assunto. Entendo que, com a
ampliação do uso e aplicação das tecnologias de informação e comunicação, os
interesses acadêmicos se voltaram para as áreas especializadas e de negócios,
onde também encontravam-se os melhores salários.
"Sem pesquisa a área não avança e a situação das Bibliotecas Públicas tende a se agravar, pois se nem os bibliotecários que estamos formando entendem o que é e o que pode uma biblioteca pública fazer para transformar a realidade de uma determinada comunidade, que dirá os gestores públicos locais e a sociedade desprovida de equipamentos e serviços culturais de qualidade?"
Nesse sentido, vale informar que o SNBP
tem investido na ampliação do Fórum Brasileiro de Bibliotecas Públicas, evento
que tem o objetivo de se firmar como um espaço para a divulgação e troca de
informações sobre as pesquisas e práticas bibliotecárias que tenham como foco a Bibliotecas Públicas. O Fórum vem sendo realizado desde 2009, como um evento
paralelo ao Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Ciência da Informação
(CBBD) e, este ano, está na sua 3a. edição. Acontecerá em Florianópolis no
periodo de 07 a 11 de julho. Mais
informações podem ser obtidas no site do SNBP (www.snbp.bn.br),
ou no site do CBBD (http://xxvcbbd.febab.org.br).
MC: Qual a percepção da biblioteca pública
brasileira sobre sua própria gestão? E no nível mundial? Como os outros países
enxergam o Brasil na gestão de bibliotecas públicas?
Acredito que os bibliotecários que atuam
nesses espaços têm a noção de que precisamos avançar e melhorar nossas práticas
de gestão. No entanto, dentro da realidade brasileira, é preciso levar em conta
que nem todas as bibliotecas públicas contam com bibliotecários no comando dessas
instituições, ou com profissionais capacitados para gerir uma unidade de
informação e leitura desta natureza.
Sem dúvida alguma existem excelentes
profissionais fazendo a diferença em suas localidades ao administrar com
maestria Bibliotecas Públicas no país. Mas, noto também, no dia a dia da
administração da maioria das bibliotecas, a falta de compreensão, por parte dos
bibliotecários, do que é atuar com um gestor público.
A administração de uma biblioteca requer
profissionais com perfil articulador e aberto ao diálogo. Um profissional
disposto a enfrentar desafios, a estimular a constituição de equipes criativas
e a desenvolver ou apoiar projetos inovadores. Atualmente estamos enfrentando
inúmeros desafios na gestão das bibliotecas públicas e isso as transformam em
espaços incríveis de protagonismo. Tanto isso é verdade que temos visto no
Brasil e no mundo afora profissionais de todas as áreas do conhecimento
prontos para nos ajudar a melhorar, atualizar, qualificar esta instituição
milenar. Mas, ainda percebo que muitos bibliotecários não estão preparados para
atuar nesse contexto.
"O bibliotecário tem que entender que para sobreviver terá que sair da cômoda posição de receptor e executor e assumir o papel de protagonista nessa história."
Em relação a como o mundo vê a Bibliotecas Públicas brasileira acredito que, tendo em vista a diversidade e consequente
complexidade social e cultural do nosso país fica difícil para os outros países
terem uma noção exata da nossa realidade. No entanto, os países iberoamericanos
têm se aproximado bastante nos últimos anos. Uma iniciativa resultante dessa
aproximação é o Programa Iberoamericano de Bibliotecas Públicas, IBERBIBLIOTECAS, que reúne fundos para apoiar
os sistemas nacionais e locais, as bibliotecas públicas e profissionais que atuam
nesse segmento. O Brasil foi um dos primeiros a aderir a este Programa
Intergovernamental.
Também no nível internacional estamos
estabelecendo uma parceria muito interessante com a Bill & Melinda Gates
Foundation, uma instituição que já investe em projetos de Bibliotecas Públicas
em vários países da América Latina, África e Ásia e, agora, está iniciando os
investimentos na bibliotecas públicas brasileiras por meio do Sistema Nacional
de Bibliotecas Públicas.
MC: Quais as perspectivas para os próximos
5 anos: o que é esperado dos egressos dos cursos de graduação e pós em Ciência
da Informação e Biblioteconomia?
Com os investimentos que temos
implementado, as parcerias que estabelecemos nos últimos tempos, e com a nossa
participação em programas intergovernamentais acreditamos que temos condições
de interferir positivamente nesse cenário nos próximos anos.
Acredito também que precisamos de um
número maior de profissionais qualificados para atuar nessa área, seja na
gestão, ou na implementação dos serviços bibliotecários nestes espaços.
"Mas, se não tivermos bibliotecários aptos e dispostos a atuar como gestores públicos, entendo que outros profissionais irão assumir nosso lugar como protagonistas de projetos inovadores para Bibliotecas Públicas. E, a Biblioteconomia e a Ciência da Informação vão perder um espaço incrível de atuação, pois a Biblioteca Púbica tem tudo para se repaginar e se firmar nesse cenário de informação e tecnologia que pauta o mundo contemporâneo."
Gostaria que fizessem outra matéria com ela a respeito de bibliotecas comunitárias! seria possível isso? Obrigado a Elisa Machado e a MC pela matéria
ResponderExcluirOlá, Bibliotecário Sustentável, seria sim! Vamos colocar em pauta, e você está convidado a participar. Obrigada pela sua mensagem!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito boa a entrevista concedida pela Elisa Machado. Penso da mesma maneira que ela em relação a postura que (enquanto bibliotecários) precisamos decidir ter. Digo decidir porque esse pensamento precisa ser elaborado e compreendido para que a nossa atuação seja efetiva.
ResponderExcluirParabéns Elisa pela sua visão moderna e realista da situação das BPs!
Olá, Malena. A sua colocação é definitiva do valor do trabalho de qualquer profissional de informação.
ResponderExcluirObrigada pela sua mensagem e continue acompanhando o blog da Monitoria Científica.
Muito boa a entrevista, no entanto, a própria administração pública não reconhece a importância do bibliotecário como gestor público. Na maioria dos casos a indicação política fica acima do bom desempenho.
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